Judas - O Dissimulado
A jorna chegara ao fim, as mãos lavadas do cimento traziam de volta o Izidoro músico que, nas horas vagas, como por magia, se entregava ao solfejo e à sua paixão pelo clarinete. Pedreiro de profissão, deixava mais de cem sem ceia, não pela fortuna, mas pelo olhar brejeiro. O instrumento era seu cúmplice de conquistas e a farda dos “Caceteiros” davam-lhe um certo ar distinto. À parte o seu gosto pelas partituras crescia nele o inato fascínio por pregar partidas, estas últimas responsáveis pelo apelido de “Judas”.
Desde que a puberdade resolveu manifestar-se na sua púbis que Izidoro se sentia perseguido ou melhor assediado por Pulquéria, a filha mais velha do seu patrão, que via nele a tábua de salvação para sair de casa do pai, Relojoeiro de nome, empreiteiro de profissão, homem intransigente e castrador.
Digamos que a química entre Izidoro e Pulquéria não funcionava, em parte por culpa de um farfalhudo e virtuoso bigode que teimava em aflorar na boca da jovem, que via assim logrado o seu sonho de casar com um músico que ainda por cima poderia dar continuidade aos negócios do pai.
Cansado da sombra tortuosa de Pulquéria no seu encalçe e informado que estava de que esta, nessa noite, se faria acompanhar de sua mãe, ao baile da pinha, ficou a aguardar a hora em que Dª Mariazinha e as suas filhas casadoiras sairiam de casa.
Detrás de um velho carvalho, Izidoro viu, finalmente, Mariazinha sair compondo as filhas e despejando, já, na rua, um frasco de água de colónia sobre estas. Relojoeiro, esse, passava o serão na Taberna do Jaime das Peles, entre um e outro bagaço lá se batia num jogo de cartas.
Mal a rua ficara deserta, Isidoro munido de tijolo e cimento, rapidamente, emparedou a porta da casa de Mariazinha e passado uma hora caiou-a, deixando a casa da família sem porta aparente.
Relojoeiro, cambaleante, depois de uma noite de jogatina dirige-se a casa e depois de dar três voltas ao quarteirão sem encontrar a porta achou por bem procurar o conforto do lar na rua contígua já que tinha consciência de que o bagaço poderia estar a fazer das suas.
Pulquéria de regresso a casa lamentava o facto de não ter visto Izidoro no baile, quando se cruzaram com Relojoeiro na rua paralela e lhe perguntaram o que fazia ali.
Relojoeiro tentando meter a chave na porta da vizinha respondeu:
“O bagaço subiu-me à cabeça e eu hoje não dou com o buraco da fechadura”.
Mariazinha e as filhas lá o encaminharam para a porta de casa e em seu lugar encontraram uma parede lisinha e caiada.
A noite prolongou-se até de madrugada. Relojoeiro foi preso por desacato até que Izidoro passou por ali a caminho do trabalho, com a mala do almoço, passou em frente à casa do patrão e muito condoído replicou:
"Oh patrão quem seria o filho da mãe que fez um trabalho destes?"
"Deixe lá que eu mesmo deito os tijolos abaixo e deixo tudo como estava"...