UM PAI QUALQUER

(Da minha obra Chega).

— Pai, quem é aquele mendigo para quem você deu esmola?

— Não o conheço. Ele é uma pessoa comum.

— O que é uma pessoa comum?

— Uma pessoa qualquer.

— Uma pessoa qualquer é igual ao tio Dario?

— Não! Tio Dario é um médico.

— Então, quem é médico não é qualquer, e quem é mendigo é qualquer? Por quê?

— Tome, masque esta goma para se distrair.

— Quem inventou a goma de mascar, pai?

— Foram os americanos.

— Ah!... leve de volta para o bolso esta goma.

— Você não a quer?

— Nheco... você disse que a goma é para eu me distrair. Se me distrair, vou cair nas armadilhas dos americanos. Eles devem ter inventado a goma de mascar para nos distrair, enquanto criam mais e mais coisas!

— Bem pensado, meu filho. Você é uma pessoinha muito inteligente.

— Eu vou ser igual ao tio Dario?

— Você será melhor que ele.

— E se eu não for?

— Você será.

— Ta, mas se eu não quiser ser melhor do que o tio?

— Filho, vamos aproveitar o restante do dia que logo mais terei de levá-lo à sua mãe.

— Mamãe disse que eu posso ficar mais algumas horas com você.

— Acontece que o juiz estipulou um horário, portanto, devemos seguir com discernimento a lei.

— Pai, o que vamos fazer agora?

— Primeiro vou fazer um joguinho do bicho, depois vamos a um bom restaurante. Que tal?

— Você sabia que o jogo do bicho é ilegal?

— Sim, mas... pois é, você prefere batatas fritas e hambúrguer ou quer comer massas?

— Mamãe disse que massa engorda.

— Falando em engordar: sua mãe continua gorda?

— Ela não é gorda!

— Ela tem namorado?

— Não. Ela não pode arrumar namorado porque tem uma doença dentro dela.

— Doença? Que doença?

— A doença é você dentro dela. Mamãe não consegue tirar você dela. Disse até que você é uma doença maligna.

— Filho, vamos nos sentar no banco daquela praça.

— Oba... vou ver os pombinhos!

— Sabe, Diego, eu também sinto falta dela.

— Então, por que você tinha outras mulheres?

— Sabe como é... eu sou um homem.

— Ainda bem que eu também nasci homem, assim terei muitas mulheres. Ou, se eu fosse mulher, poderia ter bastantes homens também?

— Nunca. Mulher há de ter somente um homem.

— Por quê?

— Mulher é diferente.

— Isto mesmo, mulher é diferente. Só que mulher chora, mas homem não pode chorar, não é?

— Claro! homem não pode chorar.

— Mamãe disse que você a deixou cheia de traumas. Ela também chora e diz que eu sou o homenzinho da casa. Sou tudo para ela. Só que ela me abraça muito apertado quando chora. Daí eu nem posso sair para fazer lição de casa. Coitada!

— Ela não tem que ficar enchendo sua cabeça contra mim. Sua mãe é muito nervosa! Ela não se controla.

— É verdade, pai, mas fique calmo! Ela é somente uma mulher e mulher é chorona mesmo.

— Agora vamos almoçar, está bem?

— Tá, tá, ...

— Você deu meu último recado a ela?

— A quem?

— À sua mãe.

— Não sei. Você manda tanto recado e ela também que às vezes esqueço.

— Sobre a prestação do apartamento. Era importante e você deveria ter sido mais responsável. Neste mês não terei como pagar.

— Ah!... sim, eu falei. Ela disse que o advogado vai resolver com você.

— Eu não digo sempre? Sua mãe é neurótica.

— Não fale assim da minha mãe!

— Calma, filho, não precisa gritar. Eu ainda sou seu pai.

— Por que você é meu pai não posso gritar?

— Claro que não. Sua mãe estraga mesmo você, não é?

— Pai você comprou o CD-ROM que eu lhe pedi?

— Diego, calma! Ainda não tive tempo, ou você pensa que eu não tenho mais nada para fazer?

— Pai, vamos ao Parquinho?

— Não, nossa hora chegou. Vamos para sua casa. Que tal, você gostou do passeio?

— Eu gostava mais de passear quando você e mamãe estavam juntos.

— Por quê?

— Porque eu não precisava ficar dando recados. Vocês se falavam enquanto eu era uma criança que brincava.

— Até domingo, filhote.

— Você não vai me dar nem um beijo?

— Já lhe disse mil vezes: um homem não beija outro homem. Que cara é esta, meu filho?

— Não é nada. Só estou engolindo o choro e a saudade.

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Caro leitor, você quer ler um conto que prende a leitura do início ao fim? Um conto divertido e emocionante? Um conto verdadeira lição de vida? Me leia em 'SEMPRE MÃE" , sei que irá gostar. Abração.

Lúcia Borges
Enviado por Lúcia Borges em 09/06/2009
Reeditado em 17/06/2009
Código do texto: T1640909
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