LAMÚRIAS DE UM CARECA POR ANTECIPAÇÃO

Estar careca pode ser uma opção. O galego com cabeça raspada para se alistar no exército, o apressado que não gosta de cuidar das madeixas, o prevenido que conhecedor da genética antecipa podando os folículos pilosos, o pai para economizar dinheiro no corte de cabelo do filho, ele é pequeno mesmo, não sabe o que é bonito ou feio. Cortar cabelo é coisa para homem, tem que se entregar, compreende que quem tem cabelo e raspa sabe que irá crescer novamente, mas quem não tem?

Ficar careca demanda renuncia de uma parte de si, é como perder um membro, é contentar-se com a abdicação dos olhares de admiração, afinal, uma calva envelhece muito, por isso ouso falar que ser careca é uma arte. Embora não o seja, estou me preparando para este momento, não sei quando irá despertar, mas sei que é inevitável. São tantos termos técnicos, alopecia, calvície androgenética, outros chamam de desprendimento capilar geneticamente forçado, morte do bulbo capilar, explicações não faltam para justificar a queda dos cabelos, da moldura do rosto como dizem por aí.

Esses dias, enquanto voltava da faculdade, avistei uma figura bizarra, muito bem trajado, comportava na cabeça uma franja que atravessava o outro lado da cabeça camuflando os pelos ausentes, estático com mousse volumizador, um tornado devastador seria incapaz de mover 1 mm daquele topete ponte, nada discreto.

Nesta onda da vaidade não faltam escrúpulos e criatividade para elucubrar novas formas de disfarçar a carência de pelos. Não raro encontramos cabeleiras estranhas incompatíveis com a pessoa, cabelos encaracolados sombreavam o olhar senil com tonalidade ruivo acastanhado, sentia-se em uma passarela em plena avenida asfixiada pela fumaça que contagiava seus fios sintéticos.

Finasterida, perucas, implante capilar, antioxidantes, acupuntura, massagem capilar, tônicos estimuladores, shampoos milagrosos, promessas, benzeduras, são vários os meios que prometem reascender a esperança de quem já não os tem mais.

Chega um momento que os fios não caem mais, saltam freneticamente no chão, formando crateras, um cataclismo na vida de qualquer homem.

Semana passada fiz uma mistura de alho com gengibre que minha vizinha curandeira receitou. Lá estava eu na sacada de casa com um potinho da poção milagrosa nas mãos defronte a luz da lua, isso faz parte do tratamento, com uma gaze, besuntei e encharquei meu couro cabeludo ainda com fios fidedignos e honrosos com aquela mistura com cheiro pavoroso, parecia que tinha esfregado minha cabeça num bife mal passado temperado com alho. O que me irrita é que a Ciência seja tão negligente com este infortúnio, Viagra, energia nuclear, nanotecnologia, viagens espaciais, há solução para tudo, mas me parece não haver muito interesse em resolver isso, parece uma conspiração secreta dos cabeludos para com os desprovidos de fios. Deveriam usar as pesquisas de biologia molecular para melhorar o genoma humano, afinal, pregamos a igualdade.

É insuportável conviver com piadinhas de amigos. Estacionamento de mosquito, cabeça de prego, o pior é usar a calvície como referência.

-Vá direto até aquele semáforo, cruze a esquina e vire a direita, bem logo onde está aquele careca sentado. Não podia errar, segui sua calva pela luz produzida pela lubrificação do cocuruto graças aos raios solares que refletiam e ofuscavam os olhos de quem observasse. Por isso, já abri uma poupança específica para investir num implante futuro, talvez um investimento mais arriscado gere mais capital, não sei. Vamos reivindicar por mais verbas para pesquisas sobre calvície. Talvez fundar um grupo de encontro SCA (sociedade dos carecas anônimos), todos contra, faremos passeatas, manifestações com cartazes, plebiscitos, todos contra a queda de cabelos.

Enquanto não caem, vou cuidando de minha barriga.

Edivaldo de Oliveira Barbosa
Enviado por Edivaldo de Oliveira Barbosa em 09/06/2009
Reeditado em 09/06/2009
Código do texto: T1640327
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