Princesa

Princesa

Vamos dar-lhe um nome: princesa. Acabara de completar 12 anos. Chamava atenção pela pobreza das vestes, cabelos desarrumados, saia curta, a blusa deixando o umbigo de fora. Nos pés um par de sandálias havaianas desbotadas e gastas.

O sofrimento e a restrição material da pobreza já lhe haviam acrescentado vícios e maus costumes. Não conhecera o pai. Morava com a mãe e um irmão deficiente mental. No barraco não havia água encanada nem luz elétrica, alimento escasso.

Não raciocinava sobre coisa alguma, não tinha projetos nem sonhos, apenas um telefone celular era tudo que queria. Sem objetivo, horizonte curto! Analfabeta funcional, não freqüentava a escola. É bem provável que nunca conhecera um carinho, um abraço, um beijo, um presente de natal. Aniversário? Nem sabia direito a data de seu nascimento. Carente de tudo!

Era um exemplo típico de uma geração bem atual cheia de direitos sem deveres, que não se dedica a nenhuma atividade produtiva, que se entrega a atividades marginais como a prostituição e o vício, que constrange os circunstantes nas ruas com suas gritarias e xingamentos despropositais por absoluta falta da educação e da escolaridade. Faltavam-lhe principalmente disciplina e bons exemplos.

Notou que começara a ser reparada pelos meninos. Gostou. Começou com faceirices, permitindo pequenos contatos. Arranjou um namorado. Há nove meses experimentara furtivamente, assustada, abraços, beijos e umas palavras de carinho. Mas foi um amor bandido, canalha, aproveitador. Inocente, aceitou, sem pensar nas conseqüências. Que conseqüências? Que importância teriam? Recebera elogios, carícias, e achara bom!

Com o tempo foi permitindo mais intimidades. De repente, sua vida mudou: mal-estar, náuseas, vômitos, emagrecimento, muito sono. O que seria? Falou com o namorado que logo desapareceu. Passou a suportar sozinha seu sofrimento. Algumas amiguinhas sugeriram as mais absurdas explicações. Com sua mãe não tinha liberdade, nem compreensão, pois era uma mulher rude, sofrida, ignorante. Envergonhada e com medo guardou só para si um mundo de coisas que sentia e não sabia interpretar. Mas chegaria um dia que não conseguiria mais disfarçar.

O tempo passou. Deu entrada na Maternidade do Hospital com a barriga volumosa, uma gestação de nove meses, mostrando no rosto intenso sofrimento. Olhava para todos os lados, assustada, procurando refúgio. Era mais uma entre tantas... Despertava interesse pela pouca idade, mas era tratada profissionalmente. Precisava de socorro, de atendimento médico e de enfermagem. Estava grávida e em trabalho de parto inicial. As dores eram insuportáveis e seu organismo imaturo não iria agüentar aquilo. Não tinha estrutura física ou psíquica para expulsar uma criança. Veio em seu socorro o profissionalismo, a piedade e a solidariedade de estranhos que nunca vira. Entregou-se agradecida e cirurgicamente acabaram com suas dores. No dia seguinte, na enfermaria geral, estava rodeada por suas coleguinhas curiosas e admiradas. E ela reinava sorridente. Era o foco de todas as atenções, motivo de todos os olhares, de todos os elogios, de todas as insinuações.

No terceiro dia recebera umas roupinhas para seu neném e alta hospitalar, foi levada para casa de ambulância sozinha com sua filha. O sonho terminara. Os admiradores desapareceram. E agora? Que seria dela e da sua criança? Entrou em casa e se viu completamente só, desamparada e com uma receita de medicamentos nas mãos. Nenhuma recepção, prateleiras vazias. Boas vindas nem pensar. Era mais uma boca para dividir a pouca comida.

E então, sem saber o que fazer, aconchegou sua filhinha no colo, assentou no chão de barro batido ...... e chorou.

Cassec
Enviado por Cassec em 09/06/2009
Código do texto: T1639448
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