Sim, me resta esperar que os ponteiros caprichosos do relógio ergam a manhã seguinte. Tenho somente que viver para que os ponteiros se encontrem na meia-noite dos espectros e eu, alma penada que também sou, transporei estas grades.
Cada movimento dos ponteiros se parecia com um renascer indesejado de um velho moribundo. Morte que não chega! Lentamente, mas por muitas vezes, meu relógio concebeu e matou seus filhos. E tantos são os dias expirados que já não importa mais sabê-los. Ele se comprazia vendo-me desesperar ante seu ritmo mórbido e preciso. Desprezava as minhas súplicas, eu lhe implorava pressa e ele, verdugo poderoso, conseguia imprimir um compasso ainda mais vagaroso aos seus três tentáculos de metal. Para isso, bastava-lhe pressentir o grau da minha ânsia. Ele podia!
Não se perca em divagações questionando-se pelas razões que me fizeram conservar o relógio quando eu devia tê-lo destruído. Tentei... Entretanto, ele havia criado raízes em meu pulso, que se espalharam num emaranhado profundo por todo o meu corpo a partir do dia em que fui confinado. No tão limitado espaço desta cela, o pequeno maquinismo tinha se configurado no guardião da minha lucidez. Imaginei, por vezes, aniquilá-lo, mas isto seria o assassínio de todos os meus sentidos, um beijo histérico na loucura. Assim, o relógio e eu nos mantínhamos vivos numa simbiose incomum, no entanto, cotidiana.
Em breve, os ponteiros irão se encontrar. Que meu coração encarne a ansiedade. Por mais que o relógio adie, o novo dia se fará, inevitavelmente.
Jorrou muito tempo, o meu tempo. Não digo os anos porque descobri que o tempo possui uma essência muito mais longa do que a limitação infinita que os números podem transmitir.
Meia-noite! Escuto o tilintar das chaves do carcereiro se aproximando. Serei libertado! Porém, a liberdade é um sentimento abstrato demais para deixar-me feliz. O carcereiro pára, impassível, diante de mim; introduz uma das chaves na tranca da cela e gira como tantas vezes girei a corda do meu relógio.
- Livre!
E, neste momento, o inaudível tic-tac do relógio cresce, assemelhando-se a fortes batidas de maxilares, a uma gargalhada terrível e monótona.
- Estou livre!...
Cada movimento dos ponteiros se parecia com um renascer indesejado de um velho moribundo. Morte que não chega! Lentamente, mas por muitas vezes, meu relógio concebeu e matou seus filhos. E tantos são os dias expirados que já não importa mais sabê-los. Ele se comprazia vendo-me desesperar ante seu ritmo mórbido e preciso. Desprezava as minhas súplicas, eu lhe implorava pressa e ele, verdugo poderoso, conseguia imprimir um compasso ainda mais vagaroso aos seus três tentáculos de metal. Para isso, bastava-lhe pressentir o grau da minha ânsia. Ele podia!
Não se perca em divagações questionando-se pelas razões que me fizeram conservar o relógio quando eu devia tê-lo destruído. Tentei... Entretanto, ele havia criado raízes em meu pulso, que se espalharam num emaranhado profundo por todo o meu corpo a partir do dia em que fui confinado. No tão limitado espaço desta cela, o pequeno maquinismo tinha se configurado no guardião da minha lucidez. Imaginei, por vezes, aniquilá-lo, mas isto seria o assassínio de todos os meus sentidos, um beijo histérico na loucura. Assim, o relógio e eu nos mantínhamos vivos numa simbiose incomum, no entanto, cotidiana.
Em breve, os ponteiros irão se encontrar. Que meu coração encarne a ansiedade. Por mais que o relógio adie, o novo dia se fará, inevitavelmente.
Jorrou muito tempo, o meu tempo. Não digo os anos porque descobri que o tempo possui uma essência muito mais longa do que a limitação infinita que os números podem transmitir.
Meia-noite! Escuto o tilintar das chaves do carcereiro se aproximando. Serei libertado! Porém, a liberdade é um sentimento abstrato demais para deixar-me feliz. O carcereiro pára, impassível, diante de mim; introduz uma das chaves na tranca da cela e gira como tantas vezes girei a corda do meu relógio.
- Livre!
E, neste momento, o inaudível tic-tac do relógio cresce, assemelhando-se a fortes batidas de maxilares, a uma gargalhada terrível e monótona.
- Estou livre!...