Metahistória, metavida

... - Eu não queria ter dito tudo isso.

- Me desculpa!

Quando as marcas em meu rosto começaram a dar os primeiros sinais, foi quando comecei a me preocupar, não é fácil ter trinta anos e ainda estar morando com os pais, não ter como ganhar a própria vida e ainda alimentar sonhos de escrever algo brilhante que não seja descartado como mera mercadoria que se compra em um hipermercado.

Foi então que comecei a me livrar de tudo o que fosse descartável, iniciando pelas embalagens plásticas, peguei um saco grande onde coubesse o descartado e comecei o trabalho, as sacolas pareciam não ter fim, passei semanas vasculhando os armários e todos os cantos, à procura de possíveis fugitivas, terminado o trabalho inicial passei aos objetos maiores, garrafas, potes plásticos e tudo mais.

Feito isto, meu coração ainda não estava em paz, algo me inquietava, eu não conseguia dormir à noite; num impulso irresistível saí às ruas e ia de casa em casa recolhendo os objetos descartáveis dos vizinhos, tarefa que me tomou muito tempo, um ano para ser mais preciso, mesmo assim algo ainda me atormentava, lembrei de quão grande era o mundo e de quantas coisas descartáveis estavam escondidas pelos cantos, tive consciência que minha tarefa estava apenas começando.

... Com a cabeça vazia, como escrever uma história? Passei semanas, meses envolto em um hiato criativo; foi uma faze difícil, tomado por um redemoinho de tarefas cotidianas não havia espaço para criar uma representação da própria vida, apenas acompanhava os ponteiros do relógio, mimetizando-o refazia meu itinerário num devir contínuo e exaustivo que, a cada dia me presenteava com mais um fio de cabelo branco e mais um sulco na face.

Um ônibus lotado pode ser inspirador? Apertar botões de uma máquina? Pois esses eram os venenos que intoxicavam meu corpo e faziam com que minha mente não funcionasse adequadamente, bem, talvez adequadamente aos interesses dos que me dominavam, mas não aos meus.

Cheguei em casa e depois de tanto tempo envolto pela vida, mas não na vida, resolvi tomar uma atitude e desconstruir o mundo, pelo menos o meu, comecei a realizar todas as tarefas de maneira invertida, dormir de dia, sair à noite, almoçar de madrugada, dar tchau quando encontrava alguém.

A grande idéia surgiu como decorrência desta atitude invertida, descobri que era preciso viver, para poder escrever uma estória, mas uma estória que começasse pelo fim e que retrata alguém que tenta se livrar das pessoas e das coisas que a faz sofrer, desta maneira invertendo a existência; pois começamos jovens e felizes, acabando velhos, tristes, frustrados por não termos conseguido escrever a grande obra de nossas vidas.

Só então consegui escrever uma estória que precedesse a existência, mas não sem antes pedir desculpas.