O ANJO
O casarão antigo da Rua dos Anjos tinha um aspecto fantasmagórico.
A hera avançou assustadoramente pelas escurecidas paredes de pedras formando uma teia verde. Mal se podia avistar a porta de entrada e as janelas.
Lá dentro, talvez, fosse como um calabouço - frio e úmido. Deveria causar arrepios na alma...
Apesar do dia estar quente, a moça permanecia com o coração e a alma gelados.
No esplendor dos seus trinta anos, vaidosa, não admitia estragar o corpo com as transformações da maternidade, pois que era escultural e objeto de satisfação dos desejos, bem como, provedor de seus luxuosos interesses materiais...
Trafegou com o seu carro novo por toda a periferia da cidade, até chegar ao destino - Rua dos Anjos, 415.
Estacionou em lugar seguro, pois não poderia correr o risco de ser assaltada; esta região era muito perigosa, freqüentada por marginais.
Chegou ao portão do casarão e apertou a campainha.
Não demorou muito a porta de entrada se abriu.
Uma senhora alta, com os cabelos crespos e compridos, tingidos de um vermelho forte, parecendo uma bruxa dos contos da carochinha, veio recebê-la.
A senhora se apresentou:
- Sou a Fryda, já conversamos por telefone. Fique tranqüila que tudo será muito rápido e poderá ir logo, logo para casa.
Acompanhou Angela pelos corredores gélidos, cheirando a mofo, até um quarto onde a moça seria atendida.
Angela despiu-se atrás de um biombo japonês, muito antigo e descascado.
Tirou as jóias e vestiu um avental surrado, destes que nunca passaram por uma boa lavada e, pelo uso constante, estava impregnado por um forte e indefinido odor, causador de náuseas.
A moça, pela própria condição em que se encontrava, não tinha escolha - era pô-lo e pronto.
Na saleta desorganizada e sem nenhuma higiene, Angela se acomodou em uma maca coberta por um papel descartável.
- Descartável como aquele pequenino feto abrigado em seu ventre. Era o que afirmava Jonas, seu namorado, repetida e diuturnamente em seus ouvidos.
Uma sensação de impotência imperava no coração e na alma dela, que jamais cogitou passar por situação semelhante.
Ali deitada, um turbilhão de pensamentos conflituosos a inquietava.
Em alguns instantes chegou uma senhora, dizendo-se enfermeira, e lhe aplicou uma injeção com uma substância calmante.
O estado emocional da moça começou a ficar abalado, alguma coisa a incomodava profundamente. Não tinha entendimento nem explicação para isto, sendo que ali se encontrava por vontade própria.
A droga injetada não causou efeito algum.
Angela , por um momento, voltou o pensamento aos tempos de criança, ao aconchego da família, onde suas inquietações e medos desfaziam-se nos abraços calorosos dos pais.
Sentiu um calafrio percorrer seu corpo.
Lembrou-se deles com um carinho especial, nunca sentido, que fez o coração gélido descongelar-se sob as quentes e grossas lágrimas que escorriam por seu rosto, lavando-o de toda maquiagem.
Na memória soava as últimas palavras do pai agonizante :
- Amados filhos, vocês são a razão da minha vida! Agradeço a Deus e a sua mãe por vocês existirem e me terem dado tantas alegrias.
Angela continuou vagando os pensamentos pelo passado.
Era como estivesse fazendo o resgate de sua vida em um filme passando rápido pela memória.
Pensou nos sonhos da adolescência; o primeiro salto alto... o primeiro vestido "tubinho" - branco e preto , o baton da irmã mais velha, que usou escondido, só para encontrar lá na pracinha - Lucas, seu primeiro amor.
AH! Eram verdes aqueles olhos que a tinham enfeitiçado ! Desde o primeiro momento em que cruzaram o olhar foi como uma flecha certeira nos corações dos dois adolescentes, que entrelaçou aquelas almas , talvez, por toda a eternidade.
Era um sentimento que há muito estava escondido num escaninho de seu coração.
Pensava até que estivesse morto e enterrado para sempre. Mas, estava lá, latente , fazendo-a suspirar de saudade ...
Onde estaria Lucas ? - seu primeiro amor.
Por que razão tinham se afastado tanto assim?
Pensando em Lucas, a saudade extravasou em incontidas lágrimas .
Lembrou-se dos planos de vida em comum. Dos beijos e abraços trocados, na mais pura manifestação do amor entre dois seres que se sentiam envolvidos pelo arco-íris da felicidade..
Pensou em Jonas, tão diferente de Lucas.
Gostava de vê-la coberta de jóias, sedas e perfumes exóticos...
Jonas era tão vazio de sentimentos verdadeiros.
Angela, num lampejo de memória, relembrou sua concordância em matar a vida que frutificava e crescia em seu ventre.
Num átimo de consciência sentiu-se a última das espécies - Assassina de uma vida frágil , indefesa . - E o pior, a que mais deveria proteger e amar.
Meio atordoada pelo conflito de pensamentos e emoções, com grande dificuldade, conseguiu levantar-se daquela maca e, arrastando-se até o biombo, conseguiu vestir-se com muito esfôrço.
Nisto, a enfermeira abriu a porta do quarto e a segurou forte pelo braço, obrigando-a deitar-se novamente na maca.
Angela ,quase sem forças, foi se deixando arrastar até lá.
Neste momento, um rapaz adentrou no quarto e olhando fixamente para a enfermeira ordenou-a que lhe entregasse Angela em seus braços.
A enfermeira assustada pelo inesperado visitante, muito perturbada , com um medo aterrador, entregou a moça semi- inconsciente nos braços do rapaz.
Angela, quando se viu amparada, só conseguiu reparar no brilho inesquecível daqueles olhos verdes que pareciam aos de Lucas.
Deu um sorriso e desmaiou.
O moço, com um carinho especial, envolveu o corpo fragilizado de Angela em seus braços e a retirou daquele antro.
Quando a moça deu conta de si, estava na casa de seus familiares, em seu antigo quarto, assistida com todo carinho e amor.
Passou a gestação todinha com sua família. Fez planos para um futuro feliz ao lado do filho que em breve chegaria - para completar a felicidade da família.
Só uma coisa a intrigava - quem era aquele moço que a tinha trazido até a sua antiga morada?
Ninguém soube explicar quem a teria trazido até lá; ninguém viu o tal moço.
O tempo passou...
O bebê nasceu forte e saudável.
Os olhos dele eram verdes como os de Lucas.
Angela, conseguiu enxergar nos olhinhos daquele anjinho aconchegado em seu seio, o brilho de uns olhos que , jamais pensou, refletisse em qualquer outro olhar.
E ... sorriu confiante para aquela nova fase de sua vida ...
O casarão antigo da Rua dos Anjos tinha um aspecto fantasmagórico.
A hera avançou assustadoramente pelas escurecidas paredes de pedras formando uma teia verde. Mal se podia avistar a porta de entrada e as janelas.
Lá dentro, talvez, fosse como um calabouço - frio e úmido. Deveria causar arrepios na alma...
Apesar do dia estar quente, a moça permanecia com o coração e a alma gelados.
No esplendor dos seus trinta anos, vaidosa, não admitia estragar o corpo com as transformações da maternidade, pois que era escultural e objeto de satisfação dos desejos, bem como, provedor de seus luxuosos interesses materiais...
Trafegou com o seu carro novo por toda a periferia da cidade, até chegar ao destino - Rua dos Anjos, 415.
Estacionou em lugar seguro, pois não poderia correr o risco de ser assaltada; esta região era muito perigosa, freqüentada por marginais.
Chegou ao portão do casarão e apertou a campainha.
Não demorou muito a porta de entrada se abriu.
Uma senhora alta, com os cabelos crespos e compridos, tingidos de um vermelho forte, parecendo uma bruxa dos contos da carochinha, veio recebê-la.
A senhora se apresentou:
- Sou a Fryda, já conversamos por telefone. Fique tranqüila que tudo será muito rápido e poderá ir logo, logo para casa.
Acompanhou Angela pelos corredores gélidos, cheirando a mofo, até um quarto onde a moça seria atendida.
Angela despiu-se atrás de um biombo japonês, muito antigo e descascado.
Tirou as jóias e vestiu um avental surrado, destes que nunca passaram por uma boa lavada e, pelo uso constante, estava impregnado por um forte e indefinido odor, causador de náuseas.
A moça, pela própria condição em que se encontrava, não tinha escolha - era pô-lo e pronto.
Na saleta desorganizada e sem nenhuma higiene, Angela se acomodou em uma maca coberta por um papel descartável.
- Descartável como aquele pequenino feto abrigado em seu ventre. Era o que afirmava Jonas, seu namorado, repetida e diuturnamente em seus ouvidos.
Uma sensação de impotência imperava no coração e na alma dela, que jamais cogitou passar por situação semelhante.
Ali deitada, um turbilhão de pensamentos conflituosos a inquietava.
Em alguns instantes chegou uma senhora, dizendo-se enfermeira, e lhe aplicou uma injeção com uma substância calmante.
O estado emocional da moça começou a ficar abalado, alguma coisa a incomodava profundamente. Não tinha entendimento nem explicação para isto, sendo que ali se encontrava por vontade própria.
A droga injetada não causou efeito algum.
Angela , por um momento, voltou o pensamento aos tempos de criança, ao aconchego da família, onde suas inquietações e medos desfaziam-se nos abraços calorosos dos pais.
Sentiu um calafrio percorrer seu corpo.
Lembrou-se deles com um carinho especial, nunca sentido, que fez o coração gélido descongelar-se sob as quentes e grossas lágrimas que escorriam por seu rosto, lavando-o de toda maquiagem.
Na memória soava as últimas palavras do pai agonizante :
- Amados filhos, vocês são a razão da minha vida! Agradeço a Deus e a sua mãe por vocês existirem e me terem dado tantas alegrias.
Angela continuou vagando os pensamentos pelo passado.
Era como estivesse fazendo o resgate de sua vida em um filme passando rápido pela memória.
Pensou nos sonhos da adolescência; o primeiro salto alto... o primeiro vestido "tubinho" - branco e preto , o baton da irmã mais velha, que usou escondido, só para encontrar lá na pracinha - Lucas, seu primeiro amor.
AH! Eram verdes aqueles olhos que a tinham enfeitiçado ! Desde o primeiro momento em que cruzaram o olhar foi como uma flecha certeira nos corações dos dois adolescentes, que entrelaçou aquelas almas , talvez, por toda a eternidade.
Era um sentimento que há muito estava escondido num escaninho de seu coração.
Pensava até que estivesse morto e enterrado para sempre. Mas, estava lá, latente , fazendo-a suspirar de saudade ...
Onde estaria Lucas ? - seu primeiro amor.
Por que razão tinham se afastado tanto assim?
Pensando em Lucas, a saudade extravasou em incontidas lágrimas .
Lembrou-se dos planos de vida em comum. Dos beijos e abraços trocados, na mais pura manifestação do amor entre dois seres que se sentiam envolvidos pelo arco-íris da felicidade..
Pensou em Jonas, tão diferente de Lucas.
Gostava de vê-la coberta de jóias, sedas e perfumes exóticos...
Jonas era tão vazio de sentimentos verdadeiros.
Angela, num lampejo de memória, relembrou sua concordância em matar a vida que frutificava e crescia em seu ventre.
Num átimo de consciência sentiu-se a última das espécies - Assassina de uma vida frágil , indefesa . - E o pior, a que mais deveria proteger e amar.
Meio atordoada pelo conflito de pensamentos e emoções, com grande dificuldade, conseguiu levantar-se daquela maca e, arrastando-se até o biombo, conseguiu vestir-se com muito esfôrço.
Nisto, a enfermeira abriu a porta do quarto e a segurou forte pelo braço, obrigando-a deitar-se novamente na maca.
Angela ,quase sem forças, foi se deixando arrastar até lá.
Neste momento, um rapaz adentrou no quarto e olhando fixamente para a enfermeira ordenou-a que lhe entregasse Angela em seus braços.
A enfermeira assustada pelo inesperado visitante, muito perturbada , com um medo aterrador, entregou a moça semi- inconsciente nos braços do rapaz.
Angela, quando se viu amparada, só conseguiu reparar no brilho inesquecível daqueles olhos verdes que pareciam aos de Lucas.
Deu um sorriso e desmaiou.
O moço, com um carinho especial, envolveu o corpo fragilizado de Angela em seus braços e a retirou daquele antro.
Quando a moça deu conta de si, estava na casa de seus familiares, em seu antigo quarto, assistida com todo carinho e amor.
Passou a gestação todinha com sua família. Fez planos para um futuro feliz ao lado do filho que em breve chegaria - para completar a felicidade da família.
Só uma coisa a intrigava - quem era aquele moço que a tinha trazido até a sua antiga morada?
Ninguém soube explicar quem a teria trazido até lá; ninguém viu o tal moço.
O tempo passou...
O bebê nasceu forte e saudável.
Os olhos dele eram verdes como os de Lucas.
Angela, conseguiu enxergar nos olhinhos daquele anjinho aconchegado em seu seio, o brilho de uns olhos que , jamais pensou, refletisse em qualquer outro olhar.
E ... sorriu confiante para aquela nova fase de sua vida ...