POEIRA E SAUDADES
Pela janela do ônibus, observava a poeira amarela levantada pelas rodas dianteiras, passava em nuvens, ora em espirais, formando desenhos surreais, e se esvaía no espaço.
Sentia desejo de respirar fundo, cheirar aquele pó da estrada, como se assim, pudesse reviver momentos, situações antigas, importantes, que vivera naquela região nos tempos de moleque das ruas, das trilhas, dos campinhos de futebol, das correrias nos pastos verdes, e dos galopes montado em pelo.
Em alguns momentos a cortina de poeira baixava permitindo-lhe vislumbrar a paisagem lateral da estrada, onde surgiam, em relances, os morros, aparentemente intactos, conservados em bucólicos e antigos aspectos.
Cerrando os olhos, era como se estivesse sonhando, revendo imagens de ruas, casas, amigos... ah! os amigos, os veria novamente?... eles o reconheceriam?...poderia abraçá-los com força e afeto, para lhes dizer das saudades, da falta que tudo aquilo fizera em sua existencia, desde o dia em que resolvera partir, para tentar grandes projetos numa cidade grande?
Aquela sensação no peito, a ansiedade, talvez um pouco de receio, mistura de sentimentos , a expectativa, faziam com que a viagem se tornasse longa, uma eternidade.
Os solavancos, a poeira, a margem da estrada correndo ao contrário, e os pensamentos fervilhando em completa ebulição, provocando aquele desconfortável suor nas palmas das mãos.
Iniciara aquela viagem de volta, fazendo um retrospecto dos sofrimentos passados na grande metrópole, em meio aos prédios, avenidas imensas que irradiavam calor, e o forte odor de asfalto aquecido pelo sol, enquanto ele tentava sobreviver, apesar da absoluta falta de tempo para tudo, que não fosse trabalhar.
As decepções sempre em maior número que as vitórias, a guerra no trabalho, as disputas por um lugar de destaque, e finalmente a aposentadoria, teriam valido à pena?
Regressar e reencontrar um passado calmo e feliz, ou talvez as coisas que o representassem, seria agora, a suprema compensação, para quem, como ele, tão pacientemente aguardara.
Após muitos solavancos empoeirados mais tarde, do outro lado dos morros, a cruz de uma torre majestosa precede a centenária igreja da cidade; emocionado pensa, por instantes, que nada havia mudado, considerando-se o estado precário da velha estrada, ainda sem asfalto, e mantendo as suas condições rudimentares e originais.
Entrando pela rua que dava acesso ao centro da cidade ele podia observar que o calçamento em pedras também não mudara, apesar de não conseguir identificar os estabelecimentos comerciais existentes em sua época.
O veículo dirigiu-se até a praça principal, lugar onde ele e seus amigos haviam se iniciado nas paqueras inocentes de então, quando observavam as garotas que por alí transitavam, em círculos, se exibindo para que eles sonhassem, em quem sabe, conquistá-las um dia qualquer.
O local, no entanto, mudara, no lugar dos velhos bancos de madeira haviam, agora, modernos assentos de alvenaria, recobertos de fria cerâmica.
Descendo do ônibus reparou que uma banca de revistas, também em moderno estilo, vendia o jornal da cidade, um pequeno semanário, com notícias e informações de interesse da população em geral.
De posse de um exemplar, lendo-o, foi se inteirando das recentes notícias de sua cidade natal, notícias estas, que retratavam fatos, tais como: "adolescentes detidos pela polícia por uso e tráfico de drogas; assalto seguido de tentativa de sequestro a um dos cidadãos da comunidade; insatisfação do povo para com seus representantes públicos; ausência de estruturas básicas para educação e saúde, etc...etc..."
Interrompeu a leitura, suspirou profundamente, volveu o olhar ao redor da praça, não viu o velho coreto, dirigiu-o para o alto, não viu as palmeiras imperiais, não viu e não ouviu os canários da terra que outrora sonorizavam aquele ambiente tão estridentemente alegres.
Sentiu-se desanimado, a viagem tinha sido muito cansativa, e só agora, ele conseguia perceber o quanto.
Enrolou o pequeno jornal, lançou-o numa bela e decorativa lixeira ao lado do frio banco onde assentara, levantou-se e atravessou de volta a rua, rumo à rodoviária, e lá, debruçado sobre o balcão, enquanto aguardava uma nova passagem, concluiu que não vira uma só pessoa conhecida, um só rosto familiar, desde que chegara.
Mais tarde, enquanto o ônibus se afastava da cidade, despediu-se da torre da igreja, da beira da estrada, dos morros além dela, mergulhou a cabeça para fora da janela , respirou apaixonadamente pela última vez, todo aquele cheiro de poeira...junto dele, um enorme e amargo gosto de perda e de saudades.
Um grande abraço à todos e até a próxima,