A IRONIA DO VIVER

Ele já estava sentado, quase debruçado à mesa daquele bar, desde as 14h. Pra ser mais preciso e fiel ao fato, desde as 13:52h.   Já passava das 23h e ele permanecia no seu canto, envolto a um ambiente propício à melancolia que lhe aflorara desde o dia anterior:  uma mesa no fim do corredor, uma luminária solitária pregada na parede, um pouco acima da cabeça, irradiando um facho de luz  suficiente apenas para localizar o copo de pinga e um "taco" de carne no prato de plástico em cima da mesa.  Só ele e o dono do bar.  E o dono era daquele tipo que muito de vocês já devem ter visto por aí: mal-humorado, uma "lapa" de bigode mal cuidado e um danado de um cigarro fedorento que insistia em remoer de um lado ao outro. Restou somente à nossa personagem, a companhia fiel de algumas moscas que rodeavam e vez por outra descansavam por sobre o prato ou por sobre alguma parte do seu corpo.

Não entendia, na jovialidade dos seus 32 anos, como conseguira chegar até ali na situação deplorável que se encontrava!  Sempre fizera tudo certinho:  bom filho, bom aluno, bom amigo, blá, blá, blá, blá... e até o presente momento não conseguira nada! E nos últimos meses a coisa só tava se afunilando:  era a mãe doente, quase inválida,  eram as contas vencidas e ele desempregado e sem nenhuma pespectiva de conseguir nada!  Que raio de vida era aquela?  Estava decidido a por fim a tudo! Há muito ouvira de um mundo melhor além deste.  Tinha convicção de que não encontraria uma situação pior da que estava vivendo! Procurava somente uma forma de como acabaria com todo aquele martírio, quando foi surpreendido milagrosamente pela visita de um ancião que, como num gesto de mágica, neutralizou todos os seus pensamentos maléficos, convencendo-o  de que a esperança existe e que deve ser perseguida! E assim como  o ancião veio, sumiu por entre a densa neblina daquela noite fria e sombria, deixando para trás o jovem enternecido e ávido por recomeçar uma nova vida.

Então saiu do bar tão renovado, tão confiante e alegre que nem notou a maneira irresponsável e abusiva que desceu as escadarias,  nem tampouco o ensurdecedor toque da buzina e dos freios do carro que o atropelou mortalmente, tomando-lhe a esperança que tanto procurara...  mesmo assim, estendido ao chão, sua feição era a de quem tinha encontrado uma grande alegria...

Maurício Pais
Enviado por Maurício Pais em 02/06/2009
Reeditado em 02/06/2009
Código do texto: T1629159
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