Feliz Vida Nova
Trilhava o mesmo caminho que outrora parecia longo, porém curto. Já não mais ostentava a avidez por novidades, mas saboreava os acontecimentos.
Rasgara ao longo do dia seus arquivos pessoais, engavetados por muitos anos – mais de vinte – porém, antes os leu um a um.
Reviveu emoções, chorou outra vez. E outra e outra. Aquelas páginas que já haviam sido viradas continham nas entrelinhas muito daquela que ela ainda escrevia e lia. Chorou de novo.
Algumas situações lhe eram velhas conhecidas, quase nada havia mudado em tanto tempo. Outras, porém, a surpreendiam pela racionalidade com que interpretava e com a calma que havia adquirido depois de tanto se consumir em ansiedade e pressa.
Descartava dentro dos sacos de lixo, os pedaços de sua própria história, e aquelas porções de tecidos e papéis que foram roupas e cadernos, não significavam nada além de um monte de coisas inúteis que desejava fazer desaparecer como em um passe de mágica.
Cada item que jogava fora era como se esvaziasse dentro de si um espaço que estava cheio de memórias empoeiradas e ruídas. Como se aquele gesto fosse um grito de socorro para reconstruir-se.
Sentia alívio e angústia. Sentia distância e saudade. Um misto de emoções inexplicáveis e ambíguas, todas ao mesmo tempo, intensas.
Aquele cenário havia sido seu um dia, hoje já não se parecia com nada dela.
Sentia um desconcerto diante das paredes e até da arte que havia criado.
O tempo havia passado impiedosamente e sem que ela percebesse, prendeu sua alma em algum lugar desses vinte anos.
Sem medir conseqüências, cortou as correntes e libertou sua alma da prisão. Deixou que a luz do dia invadisse a fresta tímida entre as partes da janela, decidiu recomeçar.
Não mais quis olhar todo aquele lixo, que não era pouco. Não hesitou em colocar seu passado em sacos negros e trancá-lo lá de uma vez por todas e manda-lo para bem longe, em um lugar onde ela nunca mais poderá acessar.
Guardou pequenas coisas, cheias de significado. Pareciam curativos para as feridas que ela mesma abriu.
Naquele dia tudo tinha de sangrar e doer, porque assim já estava e curaria tudo de uma só vez.
O banho só veio completar a limpeza que havia feito, antes de tudo em si mesma.
Regou seu vasinho de violetas e conversou com elas.
Era o último dia do mês.
Colocara-se em um propósito de nascer novamente no dia seguinte, que não coincidentemente seria o primeiro.
E dali por diante todos os dias seriam os primeiros, únicos.
Ninguém mais seria tão importante em sua vida quanto ela mesma.
Acordou na manhã seguinte com uma energia ímpar e antes de tudo, foi até o espelho e olhando-se nos olhos desejou fervorosamente:
- Feliz dia novo! Feliz vida nova!