Sonhos fiduciários
- Veja se esta não é a minha melhor defesa. Atirou-lhe em grosso as palavras com termos de salvação. – Estou a mingua. Resido no sereno do pobre ponto constitutivo de bens onde até os sonhos são penhoráveis, sobre a inocência das palavras contratuais, que nunca compreenderei dispostas em números gigantes, perfeitamente visíveis, mas jamais mensurados. Que infortúnio, que miséria, que desalento! Resta o buraco escuro de onde só poderei alcançar a luz através da existência fracassada de outro advogado disponível pelo sistema único de saúde do direito: a amizade fraterna. Quando na maioria dos casos somos tratados como amigos e cobrados como desconhecidos.
Para Martinho L. aquilo não passava de jeito convicto de falar as coisas ao juiz. Um juiz direito estaria ali para compreender os fracos diante da onipotência do estado além de punir os advogados omissos em caso de abandono do cliente. Mal sabia que a defesa apenas preparava o terreno para alguém chutar pedras sobre o seu futuro túmulo. Chegaria a hora da desmoralização, quando lhe arrancariam a pele junto com os ossos. Bem sabia o quanto aqueles olhares frios de sílex do gerente representavam, em sua forma habitual, o mortal veneno do juro extorsivo. Restava para o coitado do Martinho L. o sonho perene da indenização que perdura como miragem nos desgraçados. Para recobrir a paisagem dos infelizes com o manto suave da nova esperança. Duas moratórias ficariam cegas no processo além dos omissos e relapsos profissionais nesse terreno onde é impossível reconhecer alguém com tais características.
Em face da evidente permissão legal do código ele talvez ganhasse a salvação. Bastaria constituir novo parlapatão, ou pagar banca completa, assim estaria resolvido. Era assim com os ricos. O doutor Epaminondas lançaria mão da declaração de insolvência civil para dar fim ao tormento sobre as suas costas. Estava verdadeiramente esvaziado de crédito, além de sentido como o queriam anulado. Ele que era das palavras, perdia cada vez mais para os números. A primeira fase do empreendedor havia passado na beira do abismo, este representado por fragoroso malogro por uma ponte insegura. Estava liquidado de recurso. Passaria a vida inteira acreditando que a delcaração de insolvência era juridicamente possível. Deveria ser clara,, manifesta, indenizatória.
Anos se passaram e teve certeza de que além do doutor J. Epaminondas todos os demais mereciam rastejar ao contrário de beber o seu sangue já derramado. Ele pelo menos havia trabalhado enquanto exercitavam retórica jurídica de espinhos em sua testa ensanguentada. Perfeito azar por ter acrecitado em anúncio de prosperidade.
- Investir na insolvência civil com aporte técnico para fins de obras, cujo desempenho determina a ação crítica, consistirá em tentativa de negócio, indicativo de fomento, busca da prosperidade dentro do complexo jogo do capital com a lei. Ela que garante tudo, pois tudo dependerá da condição da ação!O telefone vibrou massacrando os nervos do ouvinte endividado. Um momento, por favor. - Tirou os pés de dentro dos sapatos. – Pois não, doutor Medeiros. Agora mesmo falava no senhor e na defesa neste caso. Correrá tudo bem e de acordo com o combinado. Tudo assinado, comprovado, escriturado. Palavra do doutor Epaminondas. Seu criado em alíneas. Aliás, em viagem as Arábias lembre-se de que nem tudo é Turquia, disse virando-se para o debilitado Martinho. O pobre basbaque que havia caído no conto fiduciário, sempre acreditando em negócio no final das contas. - O forum é lugar para melhores negócios. O doutor Medeiros havia substabelecido mil vezes o processo, que para azar, ficava purgando nas prateleiras de outra comarca. - Veja o senhor: trator arrumado é melhor do que trator estragado no quintal. (Aforismo de sua lavra). Nós vamos buscar recurso de insolvência até a última gota de socorro nesse vale do nada, quero dizer, de lágrimas, Martinho. O senhor, afinal, não pode nada? Nem compreender o processo pode. Se o valor da dívida passou do socorro para o massacre do endividado pelo credor. Para um banco passar da conta é sempre pormenor. De mil seguirá voejando até a casa dos milhões. Todos estão desejando meter a mão regaladamente na fraqueza fiduciária de Martinho. Dizia Epaminondas rindo voluptuosamente. Macambúzio que caiu no conto das cadeiras, mesas, emprestadas pelo banco a juros monstruosos. Agora, Martinho, estão todos unidos para destruição sistemática de um homem só. Avançando cada vez mais sobre uma ação indefensável. Epaminondas berrava reclamando de suas próprias palavras: Não esxiste ação indefensável, existe ação mal representada! Rememorando o ditado popular chulo. Restava-lhe apenas espumar a falta de bens no mais perfeito vazio suscetível de penhora.
Na fachada da instituição de crédito estava escrito: nós ajudamos você a crescer!