(De)Formado
Perplexo com a idade. Isso poderia acontecer realmente. Tão vaidoso! As horas em que ele passava no banheiro fazendo esfoliação e passando cremes, loções e óleos ou coisas que o valham, somadas, davam o tempo de cem jogos de futebol ininterruptos, de muitas temporadas de seriado americano, de uma porção de novelas brasileiras, de milhares de idas ao bar ou de excessivas noites de amor. Perplexo. O espelho somente refletia sobre aquilo tudo, sobre o que o homem queria afinal, sobre o que é essa aflição humana. E a reflexão do espelho, esta sim, é válida, perfeita. Envelhecer deveria ser uma dádiva; deveria resultar num sentimento maravilhoso, de modo a sentir-se abençoado, afortunado; reconhecido como um ancião contemporâneo, como um mestre, que, silencioso, observa mais e fala menos, mas o que fala vale a pena ser guardado. Contudo, seus pensamentos preferem criticar aquela aparência, consternar-se com a realidade, e acreditar que, daqui para frente, a vida é recheada de dissabores.