Bacana, mas imbecil

David é um cara bacana pra mim. Sinto relatar que é somente um imbecil pra outros. É que o cara prefere, quer saber, viver quieto: tomar seu café – que para ele traz um prazer inquestionável –, assistir à missa no domingo, correr com seu calção branco no sábado. Pleitear cargos mais altos na empresa? Não. Se vier, tudo bem. Se não, talvez até melhor. Se o dinheiro dá para pagar as contas, se guarnecer com uma reserva, comer legal, quer dizer que as coisas estão indo bem. O jardim no cantinho do seu minúsculo terreno de fundos brilha. A lua é observada várias vezes no mês, e a garrafa de Smirnoff Black sempre no fim, coitada, saboreada com sutileza e “requinte” todas as sextas à noite.

Sinto em relatar que o David é considerado um imbecil até mesmo por mim, apesar de achá-lo bacana também. Considero que penso desse modo para velar um sentimento de frequente busca por nada. É! Para abafar um inconformismo comigo e com tudo. Para afogar um sentimento de que o mundo é sempre vazio e sem nexo. Explico. Enquanto o trabalho para mim é ouro, pra ele, a família. Se pra mim é privilégio correr nervoso com projetos – que durarão a vida inteira para completá-los (quem sabe) –, para ele, correr aos sábados com aquele calção branco e MP3 no ouvido. Enquanto para mim é imprescindível na sexta à noite terminar de responder os e-mails que não consegui responder durante a semana, para ele aquela praga de garrafa de vodka, num “requintando” encontro com outros imbecis.

Acho que o David encontrou – observando ele parece tão fácil – a paz de espírito, o segredo da vida, a chave da felicidade. Mas, entenda, não posso deixar de considerá-lo um imbecil, apesar de bacana. É porque só assim conseguirei acordar todos os dias, levantar e seguir a vida.

Alexandre Olsemann
Enviado por Alexandre Olsemann em 26/05/2009
Código do texto: T1616469
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