Deus, deus sou eu!
Certa vez apareceu na praça onde eu vivia uma moça, ainda jovem, recém saída da adolescência, aos prantos. Sentou-se em um banco e com o rosto apoiado nas mãos sobre as pernas chorava compulsivamente.
Aproximei-me dela e perguntei se poderia ajudá-la. Ela apenas balançou a cabeça negando, e acrescentou que se nem Deus podia ajudá-la ninguém mais era capaz.
Hesitei em perguntar o que acontecia, mas não pude me conter em perguntar qual deus ela esperava que a ajudasse.
Ela se levantou, e em tom de revolta e tristeza disse entre lágrimas, e rodando em volta de si mesma:
- Esse Deus que dizem que é misericordioso, o Deus de compaixão, consolador, o todo poderoso, que protege a seus filhos. Onde ele está que deixa uma filha sofrer, que deixa acontecer tantas coisas ruins a essa filha, por que sou renegada por ele?
- Há tantas pessoas que sofrem no mundo, será que esse deus que você procura seria tão mau assim a ponto de excluir tanta gente, ou pelo menos esquecer. Talvez ele esteja ocupado com quem realmente lhe interessa – disse eu cruzando os braços e ficando impassível à situação de desespero dela.
Andando de um lado para o outro, respondeu-me:
- Talvez Deus só se interesse pelos grandes e poderosos, para os que mentem e pisam nas pessoas, e eu que creio me abandonas por que será?
E num grito questionou:
- Deus onde está você que não vê meu sofrimento, não me ajuda?
Eu poderia simplesmente virar as costas e deixar ela no disparate de questionamentos, mas não poderia a oportunidade de ajudar aquela moça, e tão pouco d provocar nela a verdadeira reflexão do que era deus e a vida. Vendo-a sentar-se no banco de pedra e debruçar-se nas costas do mesmo e voltar a chorar, lhe falei:
- Sabe, quando era pequenino eu ia à igreja semanalmente com minha mãe, e lá ouvia que deus está em todas as coisas, e que somos imagem e semelhança, além disso, o sacerdote ensinava que deus nos fala através de sinais. Talvez seja esse seu problema compreender a amplitude dessas palavras. Você espera o que, um homem com uma túnica branca, talvez um cajado nas mãos, cabelos e barba longos e brancos, que te pegue nos braços e vá onde você quiser para ele resolver seus problemas?
Ela levantou a cabeça escondida entre os braços, e fitou-me, e antes que pudesse falar qualquer coisa continuei:
- Deus está em todas as coisas, logo o consolo que ele pode te dar hoje, é as costas desse banco, como se fosse ombro dele. Se formos imagem e semelhança dele, talvez alguma pessoa possa te ajudar, quem sabe até você mesma. Deus está te dando um ensinamento neste momento, de que se há problema, você está errando o caminho, e como saber qual a direção é a correta? Apenas tentando e aprendendo com os erros. OU você acha que deus é uma pessoa, que tem mais poder do que as outras, e que pode brincar conosco como se fossemos bonecos e a nossa vida, onde vivemos o seu parque de diversão?
A moça balançava a cabeça atônita, mas impedida de proferir qualquer palavra, eu podia sentir que seus pensamentos borbulhavam.
- O deus que temos é um deus criador, que deu origem à vida, à natureza, ao universo, que está em todas as coisas. Como se fosse algo muito denso, complexo e a dada altura não se suportou mais se dissolvendo e se transformando em várias coisas, estando no meio de nós e em tudo o que vemos. Por isso temos a condição de dar rumo à vida, de resolver problemas. Não adianta andarmos de muletas, justificando cada acerto e cada erro a um deus, esperando a misericórdia para sermos felizes. Nós é que comandamos nossas vidas, somos deuses de nós mesmos, somos os nossos consoladores. Devemos ainda ter a consciência de que a leis do universo também foram derivadas desse algo que se dissolveu em várias outras coisas, assim é com a lei de causa e efeito: ninguém passa por uma dificuldade porque um todo poderoso quer que ela passe por uma provação, mas por que falhamos em alguma parte, quer seja convívio com pessoas que não tem compatibilidade conosco, ou porque enganamos aos outros e anos mesmos para nos beneficiarmos em algo, ou simplesmente porque não prestamos atenção, não para mos para refletir sobre as situações.
O olhar dela já estava distante, parecia que minha voz agora chegava até ela como um eco. Nesse momento acreditei que fosse o momento de estimulá-la.
- Ei anime-se você, só você pode ser sua própria consoladora, e ser misericordiosa com você mesmo nãos e enganando mais. Acreditar em algo não é pecado nem errado, mas fazer dessa crença escora, e exigir dela que resolva seus próprios problemas é enganar-se a se mesmo, é desejar que outro te de a sua própria felicidade, é chegar a vitória sem luta, e somente na luta que conseguimos aprender o básico para a manutenção da nossa felicidade.
Ela se levantou, com um ar confiante estampado em seu rosto, abraçou-me e se foi a passos apressados, quase que numa corrida. Ainda tentei falar-lhe, mas ela era mais rápida, apenas gritei:
- Aonde você vai?
Ela virou-se, mas continuando andando, e respondeu-me:
- Eu volto!