Ô VIA

A filha estudava dia e noite para um concurso público. Estava quase ficando louca de tanto estudar, segundo declarou o pai. Eu, particularmente, acho que ela iria ficar louca mesmo. Se não fosse de tanto estudar, ficaria quando ingressasse no serviço público, com aquela agonia de ter ou não ter aumento, encarar chefe carrancudo, puxa-sacos, funcionários insatisfeitos com o governo, colegas fazendo fofocas, etc, etc.

Bem, voltando ao assunto: para tirar um pouco a filha dos livros, o pai resolveu fazer um passeio com ela ali por perto, num lugarejo bem pitoresco de Minas, na Serra do Caraça.

Saiu da cidade, dia amanhecendo. E feliz da vida, achando que iria dar o maior prazer à filha, bateu volante bem uma hora. Entretanto, de nada adiantou. A menina não desgrudava os olhos dos livros. Apreciar a paisagem? Bem, no caso da guria, o emprego era mais deslumbrante do que qualquer serra, montanha ou cachoeira.

Contudo, ela foi obrigada a abandonar o livro já quase chegando à Serra, pois algo inesperado aconteceu: tentando se desviar de um buraco na pista, o pai perdeu o controle da direção. O carro derrapou no asfalto e rodopiou em zigue-zague. Ouviu-se o cantar de pneus e um cheiro de borracha queimada infestou o ar. Pararam a poucos metros de um precipício.

Na hora do sufoco, a garota foi obrigada a largar o livro. Gritava desesperada, tentando se segurar. O livro voou pela janela do carro, desaparecendo no precipício.

À direita da rodovia, a poucos metros do veículo, o vale se oferecia, deslumbrante e assustador, ligeiramente ofuscado por uma camada de neblina.

Desesperado, o pai fez uma manobra mirabolante de ré, daquelas de pilotos de corridas mesmo e contornou a situação.

Após o susto, ainda tremendo, o pai dirigiu-se para o acostamento. Estacionou. Respirou fundo, deu glórias a Deus por não ter acontecido o pior e tomando fôlego, reclamou, balançando a cabeça:

- Ô via!

Ele se referia às péssimas condições da estrada, que quase levou os dois para o buraco. A menina, entretando, tão bitolada, tão aficcionada que estava, ao ouvir o desabafo, associou-o à matéria do concurso e respondeu fulminantemente:

- Ouvia!!! Verbo no pretérito imperfeito do indicativo!