Fim do dia
Estava na cozinha. Era o que fazia todas as noites.
Chegava em casa, comia alguma coisa da geladeira e permanecia sentado, com o pequeno frasco e o copo ao lado do prato. Sua única companhia era o relógio na parede. Abandonava-se curvado sobre a mesa, ouvindo o estalo do ponteiro mudando de segundo a segundo.
Depois de algum tempo saía de seu torpor. Virava um pouco do líquido no copo e bebia num gole só. Há muito tempo havia deixado de ter dúvidas quanto a isso. E nunca se arrependeu. Se tornara um vício, mas achava que era o melhor a fazer. Era tão habitual quanto escovar os dentes, sua próxima ação antes de ir para o quarto dormir.
Então, ao deitar a cabeça no travesseiro, logo dormia pelo cansaço de seu corpo, pois sua mente já vinha leve, sem mais nada na memória que lhe perturbasse o sono. O dia havia desaparecido.
E enquanto durasse a noite, o ponteiro do relógio continuaria a ser o único som na pequena casa, vindo da cozinha, onde ficava a mesa, na qual ainda estava o copo e a garrafa, em cujo rótulo lia-se: "Amnésia - 8 horas - Efeito Instantâneo".