SENSIBILIDADE À FLOR DA PELE

QUARENTONA. SOLTEIRA. SEM FILHOS. INDEPENDENTE. MORANDO SOZINHA. PROCURANDO UM RELACIONAMENTO SÉRIO.

Ela já havia tomado duas taças de vinho. Sentia-se leve, flutuante. Corpo completamente relaxado. Deitou-se no sofá e adormeceu em segundos, mas de repente acordou sobressaltada com vozes na cozinha. Quis correr pra fora da casa, mas logo percebeu que o barulho vinha do rádio. Sem mais nem menos, a energia havia faltado e conseqüentemente, o aparelho fora desligado, a casa tomada de silêncio, a noite caindo, escurecendo... E na penumbra, no silêncio, naquela sensação proporcionada pelo vinho, o sono dominou-a.

Apoiando-se nos móveis, entrou na cozinha, ouvindo o locutor falando de horóscopo. E era exatamente a vez do seu signo.

- “No final da noite, a sua sensibilidade vai estar à flor da pele. Não perca oportunidades. O amor vai acontecer!”!

Ela aguçou os ouvidos. Depois, satisfeita com o que ouviu, desligou o aparelho, tomou um demorado banho. Olhou as horas. Já era um pouco tarde para sair. Por que o locutor estava falando de horóscopo agora, se normalmente eles o fazem nas primeiras horas da manhã? Não importava! Ele dizia que o amor iria acontecer. Isso importava! Produziu-se. Tomou mais uma taça de vinho, pegou o carro. Dirigiu poucos minutos, sem saber o que fazer, mas sentiu que não tinha condições de ir muito longe. Sentia o corpo leve, flutuante, tal como o pensamento.

Parou num estacionamento. Recostou a cabeça no assento do banco e sem querer, pegou no sono. Acordou sobressaltada novamente, agora com alguém batendo na janela do carro.

Pensou no pior, mas tranquilizou-se quando viu um homem baixo, uniformizado, parecendo constrangido. Ela desceu o vidro. O homem informou-a:

- Senhora, parou em local proibido! Em estacionamento de ambulância!

Rebocaram o seu carro, mas acho que não a viram aí dentro. Só agora, na minha roda...

Ela olhou em volta. Os raios de sol anunciavam a manhã, tornando nítido um amontoado de carros de todos os tipos - carros apreendidos, num depósito do DETRAN. O fato a fez corar-se de vergonha, escondendo o rosto excessivamente maquiado. Recordou da noite anterior, da voz do locutor profetizando:

- “No final da noite, a sua sensibilidade vai estar à flor da pele”!

Afastou da mente a previsão que agora a incomodava. Abriu a porta do carro. Teve que ajuntar o vestido negro esvoaçante para poder sair. Caminhava lentamente, tomando cuidado com o pedregulho que insistia em engolir o salto-agulha da sandália dourada.

E com as mãos em forma de concha na testa para se proteger dos primeiros raios de sol e da vergonha, acompanhou o funcionário do DETRAN a um pequeno cômodo que servia de escritório.