Aula

São chamas que em mim ardem. São bolhas que explodem dentro do meu útero, de um liquido espesso. São meus pés que queimam um ardume exagerado. São olhos que querem enxergar mais vêem apenas vultos.

Deito-me. Espalho-me no chão. Tudo em mim está aberto, ossos, poros, veias que derramam o sangue. Tudo agora que olho é frontal. Só o frontal vive, só o frontal respira, só o frontal quer saber. Atrás, é apenas negro, é escuridão, é breu, está fechado, está coberto por um frontal cheio de sangue e vontade. Aqui agora permanece o desejo de estar deitada, mas em pé. Deitada, meus pés ficam em posição de quando andam, pés flexionados, que tocam o ar, mas fingem tocar o chão. A vontade é tanta que posso sentir o chão tocando meus pés, posso ver meus braços se movimentarem conforme ando e aparecem no meu campo de visão não propositalmente. Agora, aqui, posso sentir minha cabeça pesada no chão. O duro começa a esfriar meu coro cabeludo e fazer doer meu crânio. Posso sim saber que estou pensando. Posso sim sentir o peso dos meus pensamentos, dos meus desejos. As informações tomam cada poro aberto do meu corpo. Cada vez que uma molécula de ar toca meu corpo, posso sentir. De tanto que sinto, quando fecho os olhos posso até ver. Posso ver diante de mim explodindo o liquido dentro de mim, posso ver as bactérias tomando conta de tudo, posso ver o vermelho dentro de minha pele. Sinto, penso, vejo, vivo.

Deitada, mais uma vez, esperando não só o tempo passar, mas conhecendo, aprendendo com um mestre sutil e inteligentíssimo. Aqui estou, tendo as melhores aulas do meu ano. Aqui estou na melhor e mais produtiva companhia. Aqui estou além de aprendendo, percebendo, sentindo, estou amando, amando ao meu corpo como ninguém mais pode fazer, não por mim, mas por si mesmo. Meu corpo. Tudo o que eu preciso. É preciso ter silêncio nesta aula. Ele não me exige cadernos, nem páginas, nem notas, exige apenas, silêncio, respeito e atenção a uma sensibilidade morta nos dias atuais. Aqui estou dentro do meu corpo que me ensina a ser viva, que me ensina o significado de harmonia.

Quando estou deitada, ele diz acalma-se. Quando estou em pé ele diz acalme-se. Quando não penso nele, ele diz, mas eu não ouço.

Dói em mim tudo o que eu não posso sentir. O movimento do trabalho dos meus rins, a força do meu pulmão, o crescer das minhas unhas. Tudo isto acontece, eu penso, mas não sinto. Como pode? Sim, ele diz, você pode!

Entendo a dor do meu crânio sob o chão duro. Não faço parte dele. Isto dói, não dá pra negar. Minha lombar também está dando sinal de desconforto. Mas acalme-se! Quero continuar aqui, meus pés agora caminham, caminham sob as bolhas de liquido espesso que fazem doer meu útero. Cadê a parte de mim que controla estas dores? Metade dela está no duro e frio, e não tem tanta força para me fazer não doer. Faz-me esquecer, mas não me deixa parar de doer. Mas se este chão não faz parte de mim, como pode me fazer doer? Como pode me maltratar se apenas deito sobre ele? Agora minhas mãos estão aqui, sobre meu peito. Posso sentir minha respiração nelas, não só pelo movimento de meu abdômen, mas pelo vento que minhas narinas soltam. Parei de respirar! Não dói, mas fere. Fere algo aqui dentro que se faz visível aqui fora. Estou interna. Estou externa, e sou tudo isto. Posso ser tudo, ele me diz. Então, tento mexer minha perna, algo dói de um jeito diferente. Mil formigas se amontoam nos meus glúteos. Dói de um jeito diferente, machuca e parece haver uma desarmonia desastrosa. Meus glúteos querem o suicídio. Mas aos poucos o resto do meu corpo os convence que precisamos deles, que não podemos andar com glúteos mortos. A dor passou, o sangue voltou a correr naquela parte do meu corpo. Estava de volta. Completa. Talvez.

A lição já tinha tempo de acabar. Minha pergunta foi clara e simples; como pode meu corpo ensinar-me coisas que eu não sei, sendo ele, eu mesma? De alguma forma, com a mesma linguagem que eu uso diariamente, e com o mesmo tom de um professor universitário ele responde; não se trata de aprendizado, mas de descobertas!

BCA( descobrindo)

BCA
Enviado por BCA em 22/05/2009
Código do texto: T1608512
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