A prostituta
Há muito, seu corpo era apenas uma festa. Uma festa vulgar como qualquer outra, onde as pessoas entravam, divertiam-se, deleitavam-se e iam embora, sem sequer olharem para trás, quando o prazer chegava ao fim. Já não era um destino, era um caminho. O motel na beira da estrada. Efêmera, mas não como um amor. Como um orgasmo. Era um campo tão fustigado; tão pisoteado que já não era nada, se não, terra infértil.
Era madrugada, e ela, ao invés de dormir, estava voltando para casa, com seu velho sobretudo preto e uma cigarrilha queimando entre os dedos. Sentia-se cansada de tanto caminhar e sentou-se no banco do terminal rodoviário por onde passava. Olhou para os lados, aquelas alturas da madrugada não existiam muitas pessoas por ali: apenas algumas poucas, que, como ela, guardavam histórias incrivelmente interessantes e obscuras sobre o rumo peculiar de suas vidas.
Em um canto estava deitado um pobre mendigo, que dormia tranquilamente. Mesmo passando frio. Mesmo sentindo medo. Mesmo não querendo mais acordar. Como poderia aquele homem ser tão relaxado a ponto de dormir ali? A verdade é que ele não dormia por sono e tranquilidade, dormia por um cansaço avassalador: por pura exaustão; pensava ela. Sentiu compaixão daquele ser. Desvendara sua mente, invadira seus sentimentos mais profundos. Talvez o estivesse julgando erroneamente, talvez não; mas, de fato, havia se envolvido de uma maneira muito mais profunda, com ele, do que com seus diversos clientes daquela noite.
Tragou a cigarrilha e caminhou com passos leves até ele, enquanto despia seu casaco. Delicadamente, pousou-o sobre aquele homem, tendo todo o cuidado para não acorda-lo. Fizera algo que poderia ser chamado de “boa ação”, mas não conseguiria suportar se fosse reconhecida por isto.
Sem seu casaco, percebeu como estava frio. Tremeu um pouco, mas recusou-se a se arrepender do que fizera. Sentou-se novamente no mesmo banco, alisando-se com seus braços na tentativa de produzir um pouco de calor. Tragou a cigarrilha novamente, sentiu a fumaça quente espalhar-se em seus pulmões e então soltou-a. Com seus olhos, vasculhou mais uma vez o lugar procurando outra história; outro ser digno de sua atenção, que por mais indigna que fosse, era sua.
Viu outras mulheres que, como ela, também vendiam o seu amor. Não deteve-se nelas, não porque não fossem interessantes, mas porque eram complexas demais, pois, apesar de saber que eram tão complexas quanto qualquer outro ser humano e suas vivências, o fato de incluir-se naquele meio tornava-a imparcial em seu julgamento. Sorriu, tragou e desviou o olhar. Acabada aquela cigarrilha, acendeu outra e fumou para manter-se aquecida.
Viu pessoas esperando por um ônibus. Iriam viajar, talvez, para longe dali. Talvez buscando uma vida melhor, talvez para visitar pessoas queridas ou talvez por puro lazer. Sentiu uma ponta de inveja. A mesma inveja que sentia sempre ao ver um pássaro voar. Um vira-lata vagando pela cidade. A fumaça que saia de sua boca. Um balão de gás que escapa das mãos de um menino descuidado e sobe livremente, como um dia ela havia presenciado. Naquele dia, não pode conter um riso gostoso de prazer ao olhar para aquele balão amarelo cheio de liberdade.
Gostava de fechar os olhos e imaginar-se como uma linda águia ganhando os céus, subindo no topo da montanha mais alta e cantando com toda a sua voz, mesmo que não soubesse cantar. Ah! Como era delicioso sonhar com liberdade!
Tragou novamente e observou o banco onde estava sentada. Era velho. Sujo. A madeira estava riscada e era possível ler diversos nomes, frases e símbolos ali gravados. Todos deixados por pessoas que um dia haviam passado por ali, talvez, sentadas no mesmo lugar onde ela estava agora. Algumas felizes, outras desesperadas. Algumas, provavelmente, haviam dormido ali, talvez durante dias. Quantas pessoas aquele banco não havia descansado e visto quando partiram como se nunca houvessem existido? Essas pessoas deixaram suas marcas e foram embora deixando-as para trás, com uma total indiferença. Mas elas ainda continuavam ali, mesmo após tanto tempo.
De repente, foi como se tivesse visto seu próprio rosto naquele banco. Quanta coisa tinham em comum! Quantas partidas haviam amargado! Quantas ausências haviam chorado! Ambos tinham a mesma sensação de passageiros e desnecessários. Ambos eram, primeiro, convenientes; depois, úteis; e, por fim, já não eram mais nada.
Tragou sua cigarrilha e deitou-se naquele banco. Sentiu-se abraçada. Amou e em troca sentiu-se amada. Não estava mais em um banco, estava com um amigo. Talvez até mais do que isso: Estava enamorada! Encontrou naquele banco seu par único no mundo. Encontrou nele a única pessoa que seria capaz de lhe entender. Sentiu prazer como jamais havia sentido com qualquer homem em anos de profissão.
Enfim, dormiu. Não como o mendigo, por exaustão, mas sim devido à enorme paz e segurança que sentia em seu peito. Acordou quando os primeiros raios de sol tocaram sua pele. Sorriu. Sorriu sinceramente, sentindo-se incrivelmente bem e descansada como há tempos não se sentia mais. Entendeu que era feliz. Que a felicidade, não estava em lugar algum, que não dentro dela mesma: Afinal, onde mais encontraria prazer maior se não em si própria? No banco, descobrira a si. Entendeu que não era sozinha, ou que pelo menos, não seria sempre assim.
Encheu-se de esperança, levantou e voltou para casa. Tomou um banho, a alma já estava lavada, agora faltava o corpo. Sentiu-se acariciada pela água quente, envolvida pela toalha macia e cobriu a nudez de seu corpo com roupas novas e bonitas. Saiu novamente para tomar um café; decidiu tomar o caminho pela beira da praia.
Entrou no café. Pediu um cappuccino e tragou outra cigarrilha. Estava lendo o jornal, quando o barulho da sineta pendurada à porta desviou sua atenção.
Um homem entrou. Era jovem, bonito e usava um belo chapéu panamá preto. Ela sorriu para ele. Ele sorriu para ela e andou em sua direção, perguntando gentilmente se poderia sentar-se junto à ela em sua mesa. Ela aceitou animadamente, não estava acostumada à tanta cortesia. Juntos, conversaram, deram risada, falaram sobre tudo e até trocaram olhares maliciosos. Quem era ele? Talvez mais um cliente, talvez não.