EU E MARILYN

"Ai que dia terrível! Saio do escritório cansado. Em frangalhos mesmo. Tomei uma dose de uísque. Mas o álcool não me aliviou. Que droga! Entro no carro, ligo e saio automaticamente. Não raciocino o caminho de casa por causa do meu automatismo. É ruim essa coisa do automatismo. A gente deixa de viver bons momentos por causa do automatismo. Às vezes nem sei quem sou quando estou dirigindo. Pareço um anônimo vítima dessa vida louca, sem sensibilidade mesmo não sendo insensível, refém desse mercado competitivo, dessa exigência de sempre mais e mais. Ligo o som. O CD de Zeca Baleiro está lá desde a semana passada. Sempre ouço as mesmas músicas. Não troco de CD porque também vou me viciar nas músicas do próximo. Vou dirigindo. Pego a avenida principal. Às vezes é bom mudar o trajeto. Sempre vou pela paralela, mas hoje estou eu aqui na principal. Diminuo a marcha, olho a paisagem, aprecio o mar. Gosto do barulho do mar. Muitas pessoas gostam. Acho até que a maioria gosta. Mas hoje, especialmente, o som do mar me toca de um modo diferente. Um modo libertador, sensível. Vai ver que estou sensível mesmo. É relaxante ver as espumas se desfazendo na praia, onda após onda. A noite até que está agradável. Quisera eu ter espírito para curtir a noite, o dia, as coisas boas da vida. Mas a rotina não deixa, ou será que eu não me permito? É. Gosto de filosofar. Acho que é a única coisa tipo espiritual que eu faço. Refletir. De repente, algo me chamou a atenção. Ela era linda! Estava ali, numa esquina iluminada, parada, com aqueles cabelos loiros reluzindo sob as luzes do poste e da lua. Meu Deus, que mulher linda! Igual à Marilyn. Como eu adoro a Marilyn Monroe. Tenho todos os seus filmes. Nunca me canso de vê-los. Subitamente, estou eu, com o carro parado, junto de Marilyn. Ela olhou para mim, sorriu. Nunca ninguém tinha me deixado tão à vontade com um sorriso. Me senti inteiro dentro dela com aquele sorriso, me senti vivo! Abri a porta. Ela entrou. Foi maravilhoso! Nem me senti culpado como das outras vezes. Também, com Marilyn, que homem se sentiria assim? Marilyn fez o que mulher nenhuma faria por mim. Fez de mim o homem mais feliz do mundo durante quatro horas. Nunca mais me esqueço da Marilyn, da minha Marilyn!"