JOÃO GOGÓ
A secretária correu para o corretor quando viu a cliente saindo com a pasta de cartolina debaixo do braço, na qual levava o contrato de locação. Correu atrás da moça, ajeitando as meias pretas de lã, que escondiam as pernas, quase completamente cobertas pela saia longa, e ajeitando também os cabelos curtos avermelhados. E com voz forçadamente articulada, para não ser ouvida lá de dentro do escritório, a mulher confidenciou:
- Você caiu numa fria, menina! A casa que alugou é mal-assombrada. Se eu fosse você, rasgava esse contrato. Pagar a multa rescisória é mais vantajoso que passar as noites vendo objetos serem arrastados pela casa, panelas caindo na cozinha, portas batendo... – falava a mulher, fazendo voz misteriosa e puxando para cima a gola rolê da blusa de tricô.
- Ai meu Deus! Pare! Morro de medo. Veja como estou arrepiada!
- Arrepiada vai ficar quando vê vultos atravessando paredes, como naquele filme... como era mesmo o nome do filme?
- Ai... sei lá! Tenho pavor de assombração. Não vejo filme de terror!
- Terror, cara cliente, vai ver quando acordar altas horas e sentir que tem alguém apertando a sua garganta... – a voz continuava misteriosa, gerando pânico na garota.
- Não!!!
- Se eu fosse você, rasgava esse contrato agora. Mas não diga para o trambiqueiro – apontou para o Corretor, absorto na tela do computador – que eu te avisei. Ele faz tudo para alugar a casa, só que ninguém fica lá.
- E agora? Já paguei um mês adiantado!
- Menina, um dia sem dormir já faz diferença na vida da gente. E você vem me falar dessa mixaria de mês adiantado? Bem, você é que sabe!
Fez menção de entrar na sala. A cliente agarrou-a pelo braço.
- Senhora, me ajude! Que devo fazer? Não tenho dinheiro para pagar a multa. A minha faculdade já é muito cara...
- Dá uma voltinha. Liga pra cá daqui a meia hora. Eu invento uma desculpa. Enrolo o trambiqueiro e a gente desfaz esse contrato. Vou te ajudar. Você pode pagar pelo menos o dinheiro gasto com a papelada?
- Quanto?
- É pouco. – disse e mostrou dedos estranhamente másculos, onde exibia o valor que a menina deveria pagar para se livrar do pesadelo da casa assombrada.
- Tá bom! Eu pago, mas... vai mesmo me tirar dessa?
- Deixa comigo! Eu tô por aqui com esse cara. Tô doida pra sair da firma!
A estudante se despediu e entrou quase correndo no elevador.
A secretária voltou e tomou o seu lugar num canto quase escuro do escritório de aspecto bagunçado, o qual mais parecia um depósito de móveis velhos. Não demorou muito e o telefone tocou. Ela atendeu, de costas para o colega. Falou demoradamente com alguém. O Corretor continuava de olhos grudados na tela do computador. Quando a mulher terminou a conversa, ele murmurou:
- Hum... delícia! Veja quem está nuazinha numa praia...
Girou a tela do computador e mostrou à secretária uma garota estonteante, morena, cabelos esvoaçantes, fazendo poses numa praia de Ibiza.
Ela nem fez questão de olhar. Então ele, mudando de assunto, procurou saber:
- Como foi a conversa com a garota?
- Tudo em cima! Ela não vai querer morar com assombrações. – finalizou e caiu na gargalhada.
- Era ela no telefone?
- Não, mas ela vai ligar. Essa que ligou agora vem daqui a pouco pra alugar a casa. Mas pensando bem, nós é que precisamos mudar para um outro lugar! Esse golpe da “casa assombrada’... só essa semana já enrolamos umas dez. Logo vão descobrir! Melhor é...
O Corretor interrompeu-a, irritado:
- Melhor é você ajeitar essa peruca feia, raspar mais a barba, reforçar essa maquiagem, afinar mais a voz! Se continuar assim, logo vão descobrir que infelizmente você não é “secretária” nem na profissão. Muito menos no sexo. Falei, João Gogó?