LIGAÇÃO PERIGOSA

A estagiária estava sozinha no escritório quando o celular do advogado com o qual trabalhava começou a tocar. O primeiro pensamento foi o de atender, vez que ele esqueceu o aparelho ali. Depois veio a dúvida se seria conveniente ou não, mas a insistência das chamadas já estava até incomodando. Acreditem, o toque era algo assim moderno, barulhento, semelhante a um trio elétrico. Absolutamente em nada combinando com a figura do homem, um cinqüentão já com algumas rugas no rosto e cabelos grisalhos.

Por curiosidade, Carla passou a olhar e viu que era a mesma pessoa ligando. Concluiu que poderia ser algo urgente. E por já se sentir incomodada com o barulho, decidiu atender. Para sua surpresa, uma voz raivosa berrou do outro lado.

- Por que você está com o celular do meu marido? Quem é você? Se eu te pegar com o meu marido, você vai ver! Se te encontrar, você nem imagina o que sou capaz de fazer.

Carla levou um choque. Arregalou os olhos. Sentiu a ameaça perto de si. Desacostumada com reações desse tipo, era como se a pessoa estivesse ali, presente, na sala. E a mulher continuava esbravejando. Subitamente, sem explicação alguma, a raiva da mulher a contaminou. Sem perda de tempo, ela resolveu dar o troco, enquanto ouvia a desastrosa conclusão:

- ... mulher como você ele só quer pra se divertir. Eu sei. Sou a esposa! Tenho filhos com ele, tenho direitos. Vê se te enxerga. Ele não vai te dar nada. Eu controlo a conta bancária dele.Tá pensando que vai ganhar um carro, apartamento montado. Entrou numa furada, bobona! Tô morrendo de rir!

E soltou uma sonora gargalhada, que aos ouvidos de Carla, durou um século. Depois, rindo mais baixo, finalizou:

- Você não passa de uma vag...

Nesse ponto a estagiária resolveu dar um basta nos impropérios.

- Sabe que também cheguei a essa conclusão?

- Que conclusão, aproveitadora?

- De que ele não vai me dar nada! Aquele pão-duro. Faz dois meses que estamos juntos e até agora o pão-duro só me deu esse celular usado, essa porcaria. Vou dar o fora nele. Tenho 21anos, arranjo coisa melhor!

Não terminou de concluir a frase porque ouviu o disparo de outra ameaça:

- Me aguarde! Tô indo aí agora! Vamos acertar as contas pessoalmente, no braço!

Um estalito pos fim à conversa ao telefone. A estagiária era uma garota bem jovem, de boa família. Estava noiva, já de casamento marcado. Por nunca ter vivido uma situação igual àquela, estava apavorada, mas também satisfeita por ter dado um cala-boca na maluca.

Faltavam 20 minutos para o meio dia. Era o seu segundo dia na empresa. O advogado tinha ido ao Fórum. Sem perda de tempo, ela apanhou a bolsa, trancou a sala e pegou o elevador. Ao descer, uma idéia atravessou a sua mente. Chegando ao balcão de informações, disse ao recepcionista.

- Vou almoçar! Vai aparecer aqui uma cliente. Ela está revoltada porque o Dr. Celso perdeu a causa dela. Não a deixe subir. De jeito nenhum! A maluca prometeu fazer uma quebradeira no escritório. Disse que vai botar fogo em tudo! Talvez fosse melhor chamar a polícia!

O porteiro arregalou os olhos.

- Aqui ela não sobe! Deixe comigo! Vá almoçar tranqüila!

Carla se foi. Almoçou, olhando de vez em quando o relógio. Uma satisfação inexplicável tomava conta de si. Uma hora depois, disfarçadamente, voltou à rua do prédio de escritórios onde havia começado o estágio há apenas dois dias. Veio andando discretamente, para que ninguém a notasse. Viu que curiosos aglomeravam na frente do prédio, uns falando, outros rindo, gesticulando. Uma algazarra. Viu também uma mulher loura, bem vestida, esperneando e gritando, sendo agarrada com força por dois policiais, e empurrada energicamente para a traseira da viatura. Carla sentiu-se vingada. E sorrindo intimamente, fez meia volta e dirigiu-se para a avenida onde pegava o seu ônibus.

Algum tempo depois, um pouco distante dali, um celular tocou na cabeceira de uma cama, em meio ao amontoado de lençóis. Uma mão de homem, forte e peluda, se moveu para atender. Ao terminar de falar, o homem se levantou e começou a se vestir sem demonstrar nenhuma pressa. A mulher que estava na cama ao seu lado interrogou-o:

- E entao?

- Era da polícia. Deu tudo certo. Conseguimos desviar a atenção dela. A louca vai ficar um bom tempo internada numa clínica, sem nos incomodar!

E já dando o nó na gravata, concluiu:

- Lamento pela estagiária. Se ficou no escritório, deve ter levado a pior!

A mulher que ainda permanecia na cama, isso por volta das 2h30min. da tarde, se levantou. E enrolando os lençóis para não embaraçar nas pontas, acusou:

- Tudo culpa de mamãe! Mimou demais essa minha irmã. Agora veja o que ela é capaz de fazer...