O SR. JOAQUIM MACIO
O Sr. Joaquim Macio era uma árvore de fruto. Daquelas velhas, rugosas, agarradas à terra e aos afectos com raízes que se mostravam em artérias cansadas e nodosas.
Vivia num bairro pobre do Porto, onde as crianças cresciam seminuas de risos e calçadas de Deus-dará... Como árvore de fruto que era, o Sr. Macio era um polo de atracção para elas, que, como passarinhos em bandos, lhe rodeavam a generosidade da fruta madura. Mas era uma árvore ambulante, o Sr. Macio... Quando o chilreio da sua chegada, anunciada pela buzina polifónica do seu já cansado carrinho de mão, se fazia colheita, as crianças do bairro rodeavam-no, em gorjeios de ávido desafio...
O carrinho ele construíra por suas mãos, com caixas de fruta, de madeira alheia, ferragens doadas e pneus desprezados. A buzina, uma preciosidade, comprara-a na feira de Vandoma, lá para as bandas das Fontainhas. A fruta saía de si, dos seus amanheceres laboriosos, e do seu mendigar nobre pelos pavilhões do Mercado Abastecedor de Frutas.
-“Ó Sôr Barafusta, num tem por aí uma frutinha mais pró passado?...”
-“Carago, ó Freitas, arremata-me isso por cem escudos, pá!... é milhor que deitar fora, hoje é sexta!!”
-“Os putos lá da minha rua nunca comeram manga, bai ser uma festa, ai non!...”
-“Ó Cooooosta!!!”
Toda a gente conhecia os ramos, quer dizer, o carrinho de madeira do Sr. Macio... e o tronco, quer dizer, a alma... e se havia alguns que não se coibiam de lhe levar uns trocos pela fruta arrematada, muitos havia que lha davam de graça, como as estações às árvores de fruto...
E ele lá seguia, percorrendo a manhã, enchendo os seus ramos pródigos de cores sumarentas da fruta a cair de madura...
...E à tarde, era Verão no bairro pobre... Verão generoso, que ele repartia com os olhos a luzir gosto e bondade...
As mães vinham, fingindo apreçar a fruta, que não era de vender ao quilo, mas à vontade. Ele pesava, com mão que não conhecia o peso certo e aceitava paga só de quem sabia poder pagar-lhe (ele era uma árvore antiga, grande, altaneira, dos seus ramos viam-se as janelas de todas as casas)... às outras, ele cobrava só com um “bai lá embora, bai!... olha o miúdo que quer comer um carangueijo!... laba-o, oubiste?...”.
E a festa da apanha da fruta acabava com o chão juncado de sumos pegajosos e as mãos cheias de colheita farta. E com o coração macio do Sr. Joaquim Macio, leve e alegre, como o seu carrinho de madeira e a sua buzina polifónica...
O Sr. Joaquim Macio era uma árvore de fruto. Daquelas velhas, rugosas, agarradas à terra e aos afectos com raízes que se mostravam em artérias cansadas e nodosas.
Vivia num bairro pobre do Porto, onde as crianças cresciam seminuas de risos e calçadas de Deus-dará... Como árvore de fruto que era, o Sr. Macio era um polo de atracção para elas, que, como passarinhos em bandos, lhe rodeavam a generosidade da fruta madura. Mas era uma árvore ambulante, o Sr. Macio... Quando o chilreio da sua chegada, anunciada pela buzina polifónica do seu já cansado carrinho de mão, se fazia colheita, as crianças do bairro rodeavam-no, em gorjeios de ávido desafio...
O carrinho ele construíra por suas mãos, com caixas de fruta, de madeira alheia, ferragens doadas e pneus desprezados. A buzina, uma preciosidade, comprara-a na feira de Vandoma, lá para as bandas das Fontainhas. A fruta saía de si, dos seus amanheceres laboriosos, e do seu mendigar nobre pelos pavilhões do Mercado Abastecedor de Frutas.
-“Ó Sôr Barafusta, num tem por aí uma frutinha mais pró passado?...”
-“Carago, ó Freitas, arremata-me isso por cem escudos, pá!... é milhor que deitar fora, hoje é sexta!!”
-“Os putos lá da minha rua nunca comeram manga, bai ser uma festa, ai non!...”
-“Ó Cooooosta!!!”
Toda a gente conhecia os ramos, quer dizer, o carrinho de madeira do Sr. Macio... e o tronco, quer dizer, a alma... e se havia alguns que não se coibiam de lhe levar uns trocos pela fruta arrematada, muitos havia que lha davam de graça, como as estações às árvores de fruto...
E ele lá seguia, percorrendo a manhã, enchendo os seus ramos pródigos de cores sumarentas da fruta a cair de madura...
...E à tarde, era Verão no bairro pobre... Verão generoso, que ele repartia com os olhos a luzir gosto e bondade...
As mães vinham, fingindo apreçar a fruta, que não era de vender ao quilo, mas à vontade. Ele pesava, com mão que não conhecia o peso certo e aceitava paga só de quem sabia poder pagar-lhe (ele era uma árvore antiga, grande, altaneira, dos seus ramos viam-se as janelas de todas as casas)... às outras, ele cobrava só com um “bai lá embora, bai!... olha o miúdo que quer comer um carangueijo!... laba-o, oubiste?...”.
E a festa da apanha da fruta acabava com o chão juncado de sumos pegajosos e as mãos cheias de colheita farta. E com o coração macio do Sr. Joaquim Macio, leve e alegre, como o seu carrinho de madeira e a sua buzina polifónica...