Aprendendo a receber
Algumas coisas acontecem na nossa vida, que além de inesperadas, são por si só, inusitadas. Dias atrás, consciente da necessidade de uma consulta oftalmológica. Comecei a me programar. Mas, com receio de trocar de médico,(uma vez que não gosto de mexer em time que tá ganhando), tentei marcar com um velho conhecido e detentor do meu histórico. Porém, fui informada que o mesmo havia se aposentado. Receosa, porém conformada, marquei então a consulta com um outro profissional. Que, uma semana antes havia atendido meu filho mais velho. E, cujo atendimento, ele gostara muito, devido à boa disposição do profissional em explicar-lhe tudo sobre a estrutura ocular e suas sutilezas. Aulas de anatomia a parte. Visto que, na realidade o que importava mesmo era que atendesse o meu plano de saúde. Segui em frente. Fui à clínica, na data marcada, me apresentei na recepção. Fiz o exame inicial com a atendente, como é de praxe. Aguardei minha vez, na ante-sala, conforme orientada. E, mais ou menos uma hora depois. Um senhor de meia idade, que, num primeiro momento, me olhou como que se conferindo algo importante, chamou pelo meu nome. E, ao adentrar-me ao seu consultório, respondi às perguntas necessárias. E, em seguida fui conduzida à cadeira de exames .Após testadas as lentes, e definido o grau, para finalizar,o médico colocou um colírio. Porém, percebendo a sua tentativa de limpar dos meus olhos o resto do líquido que escorria. Tomei dele o lenço de papel, na intenção de colaborar com seu trabalho. Foi quando subtamente, fui repreendida. Se bem quê, de forma gentil, porém firme. Com uma espécie de quase ordem, me interrompendo, ele exclamou! "Deixe eu limpar seus olhos, aprenda a receber as coisas, criatura!". Com essas palavras, eu quase nada pude fazer, a não ser sorrir timidamente, e tentar me desculpar, por tão grande mico. Se é que posso classificar assim aquela minha iniciativa! E, no seguimento, enquanto preparava minha receita.O médico passou a contar-me alguns eventos reais, envolvendo pessoas que segundo ele, tinham o meu perfil, "auto-suficientes". E que acostumadas a sempre resolverem tudo sozinhas, e sempre darem de si mesmas, sem nunca se permitirem receber algo de outros, acabaram por fim, tendo que aprender de uma forma dolorosa. Daí, sentindo-me bem mais a vontade, informei a ele que, por coincidencia, um dia antes, eu havia conversado com minha família, sobre a possibilidade de fazer uma cirurgia reparadora, e , exposto a minha preocupação com o tempo de recuperação, por levar em média, trinta dias. E, que dar esse tempo pra mim mesma, seria quase impossível. Tendo em vista o longo período de inatividade, e de total dependência do tempo e atenção de outros, igualmente muito ocupados. Ele sorriu, e me desejou felicidades. Ao sair, me pus a pensar ao volante,de volta pra casa. Que as vezes precisamos mesmo de um alerta. Mesmo que este venha de uma forma inesperada. Até mesmo de um estranho. E que temos de compreender que mesmo para aquele a quem a vida concedeu o privilégio de poder dar algo de si mesmo. Mais cedo ou mais tarde, terá de aprender a receber também.