Abedula – O Navio de Guerra
* Da série ABEDULA
** Leia também: - "Abedula" - "Abedula e os Impostos" - Abedula - a Picada" e "Abedula - as Sementes"
Em frente ao estabelecimento comercial de Abedula existia uma casa muito grande , construção antiga , e que contava com oito dormitórios , que havia pertencido a uma das famílias mais ricas de Uruguaiana , e que acabou indo embora, dizem porque a mulher visitou o Rio de Janeiro e se encantou com a beleza de Copacabana – “Daqui não volto , daqui não saio” ... E o marido temendo perder a linda esposa vendeu tudo o que tinha no sul e foram-se para a então Guanabara.
A casa foi adquirida por um espanhol de meia idade – aproximadamente uns quarenta e cinco anos – que havia sido garçom durante muitos anos em diversos restaurantes do centro de Madrid , onde também conheceu sua esposa , “Doña Mafalda” , que trabalhava na cozinha e depois de um curto namoro juntaram os trapos. Econômicos eles somaram os salários e formaram uma pequena poupança com o sonho de migrar para a América do Sul e montar um Hotel.
Como todo mundo sabe, não há capital da América Latina onde padarias não sejam dominadas por portugueses e hotéis por espanhóis. O casal desembarcou de um “vapor” no Porto de Buenos Aires, mas ficaram apenas um mês em solo argentino e assustados com os preços dos imóveis resolveram cruzar o “Rio de La Plata” numa balsa em direção à cidade uruguaia de Colônia do Sacramento. Os imóveis na terra Charrua também não se encaixavam no orçamento, de modo que foram subindo o Rio Uruguai até chegarem em Uruguaiana.
Encantados com a fronteira, logo viram na antiga casa dos fazendeiros a possibilidade de iniciar um Hotel e o negócio foi concretizado em poucos dias . Logo eles construíram mais alguns dormitórios – com banheiro privativo , aumentando o tamanho da casa que já era grande – e com isso tornaram-se uma referência em hospedagem, acontecimento que foi muito comemorado por Abedula que aumentou bastante suas vendas para os hóspedes do casal ibérico.
Abedula recebia todos os meses a visita de um argentino que morava no outro lado do Rio Uruguai, em “Paso de Los Libres” , aposentado da Marinha – “de la Armada”, como dizem os “hermanos” – e que era conhecido por ser um notável mentiroso . Dizem que sua carreira na marinha de guerra se deu sem que nunca tivesse embarcado nem mesmo em canoas ou barcos à remo , visto que sua função era a de marceneiro , mas ele aplicava “contos” de viagens fantásticas pelos cinco oceanos !
Certa ocasião, quando o argentino mentiroso se encontrava na Loja de Abedula, adentrou o espanhol , cara redonda , rosto vermelho e de poucos amigos , falando um “portunhol” sofrível e foi quando Abedula, numa sacada de malandragem, aproximou os dois castelhanos , dizendo ao espanhol – “ieste homem biajou bor t(d)odo mundo com a marina argendina, inclusibe seu nabio es(dt)eve angorado no borto de Madrid” ...
O mentiroso argentino inflou o peito e disse textualmente : - “ Uff , si estube , muchas y muchas vezes... !! ”
O encerramento foi tão trágico quanto constrangedor, pois o argentino e sua mentira deram meia volta e saíram a passo, tão logo veio a resposta do espanhol que até meio irritado disparou : - “Pero hombre , Madrid no tiene Puerto !!!
Abedula depois se arrependeu, porque o cliente mentiroso nunca mais voltou ao estabelecimento e lhe custou caro desmascarar a mentira do navio de guerra do argentino que , por óbvio não poderia jamais estar ancorado em Madrid , a não ser que fosse uma Fragata de plástico em alguma piscina de hotel