Texto para um dia de chuva.
Texto para um dia de chuva. (Rascunho)
Cravo e canela foi o que ele me pediu. Não sei se por acreditar em algum poder medicinal do chá ou por puro gosto. Na realidade nem quis saber, a situação pedia camomila.
Olhou-me fixamente e com os lábio trêmulos, repetiu o seu pedido e eu, sem entender nada, encarava de forma natural a repentina e diferente solicitação num momento tão estranho em que tudo parecia acabar de maneira tão simples.
Vasculhava todos os módulos dos armários da cozinha fingindo procurar os ingredientes para satisfazer o seu desejo. Foram suas únicas palavras pronunciadas e repetidas até aquele instante. Aquele silêncio e a frieza começaram a incomodar. Tal angustia proporcionou que eu pronunciasse uma palavra a quem havia prometido nunca mais dirigir-me de maneira dura e fria.
- Açúcar? – foi a única palavra que expressei e ainda com a intenção de tentar desfazer aquele clima. Não deu. Esquivou-se da minha pergunta como um judeu evitaria a carne de porco por maior que fosse a tentação. Apenas para não demonstrar o desconforto que o seu silêncio causara, levei a água ao fogo suficiente para três ou quatro porções. Voltei-me aos móveis ignorando as louças que estavam no escorredor ou sobre a mesa. Procurar canecas no armário duraria todo o tempo que eu julgasse necessário.
Quando mais uma vez coloquei meus olhos sobre ela, não a vi no mesmo lugar de antes. Encontrava-se sentada à mesa e sobre ela as chaves, os cartões, presentes e um envelope com um destinatário que não dava para ser visto a distância. Não falei nada, retirei a água do fogo, organizei as canecas nas suas devidas posições e os saches de uma maneira que a fizesse perceber que o seu pedido já se encontrava e disponível.
- Cravo e canela? – Perguntou-me desta vez não trêmula como antes, mas seu olhar denunciava que não pretendia permanecer por muito tempo ou de nem estar: condenava. Inclusive, aquele olhar vazio tentava fazer com que eu percebesse que naquilo tudo existia sofrimento e que não era merecedor por acreditar numa falta de compensação. Direcionei minha visão para baixo e desta vez decidi fugir de uma resposta monossilábica para não piorar mais ainda a situação e então respondi:
- Sim, cravo e canela. Em seguida me respondeu um “muito obrigado” com uma pronuncia que seria capaz de esfriar toda a água que permanecera ao fogo até quase evaporar. Pegou dois saches e os mergulhavam aparentando desejar a infusão bem forte. No seu primeiro gole sua face denunciou descontentamento com a preparação. Engoliu, provavelmente para não ter que sair dos seus pensamentos, ou para não admitir que errara a relação quantidade posta com a desejada. Não entendendo mais nada que passava naquele momento, resolvi interromper para que aquilo que parecia tão amargo não amargurasse mais ainda a vida daquela pessoa e perguntei:
-Açúcar?
- Por Favor! – foi o que me respondeu acrescentando em seguida de 3 a 4 colheres no seu preparo. Respirou fundo e tentou dizer alguma coisa pelo sinal dado por sua face. A conhecia muito bem para saber que realmente queria falar mas não seria capaz de ler seus pensamentos. Tamanha estranheza me causara a sua atitude que não arriscaria um palpite aleatório. Poderia ser tudo ou até mesmo nada. Resolvi apenas entender que havia um motivo e era seus: louváveis. Desistiu de falar.
Bebeu todo o chá e em seguida fez outro e desta vez aparentou mais atenção nas quantidades misturadas. Levantou-se e ficou parada por um instante. Olhou tudo ao redor como se a última vez fosse. Andou em direção a sala. Pegou a bolsa e o casaco, tomou outro gole, respirou fundo a última das inúmeras vezes, olhou para a porta e disse:
-Abra! – Sem nenhuma cerimônia fui cínico mais uma vez ao perguntar o quê? Ela me respondeu de uma forma curta e grossa que seria primeiro a porta e depois o envelope. Abraçou-me fortemente e em seguida perguntou levantando a caneca em direção aos meus olhos:
- Posso levar?
- Com todo prazer! – respondi, abri e a vi passar. Guardei os objetos que havia deixado sobre a mesa, ou melhor, me devolvido. Preferi não abrir o envelope naquele momento. Não sabia de que forma escrevera, mas imaginava o conteúdo da redação ali contida. Recordei o que acontecera a alguns meses e o que havia me dito sobre acreditar que tudo deveria acabar da forma como começou. Talvez fosse uma espécie de ritual, ou alguma mania daquelas que a gente coloca na cabeça.
Sei que não foi resolvida. A força que fizera para esconder o que sentia não foi suficiente. Pela janela, percebi seus cabelos escondendo as maçãs do rosto, a cabeça baixa, a caneca no bolso e sua mão sobre ela. É, demonstrou ainda se importar com as minhas coisas. Sei que não entenderia meu jeito e comportamento e talvez fosse mesmo melhor assim.