O estilista

 

A folha de papel ganhava contornos coloridos, elegantes, femininos.Traços de mulheres adornadas por vestidos de festa, verdadeiras modelos.Assim o rapazinho tímido passava horas de seu dia, sonhando em ser estilista famoso.Nunca fizera um curso de desenho ou de moda, tinha o dom natural para as ilustrações.
 
A mãe, costureira conhecida no bairro, orgulhava-se da habilidade do caçula:
 
-Esse meu filho é um artista!
 
Já o pai, um pedreiro de pouca instrução, não via com bons olhos o talento de César:
 
- Desde quando fazer desenho enche a barriga de alguém?
 
Um dia, uma cliente acompanhada da filha bateu à porta de Dona Nelma:
 
-Oi, comadre. Vim encomendar um vestido para essa aqui - apontando para a adolescente - E seu filho continua desenhando?- perguntou a mulher entre sorrisos.
 
-Ah, sim.Não há folha sulfite, nem lápis de cor que chegue!
 
-Minha filha cismou que quer ele faça o desenho do vestido de quinze anos dela!Será que é possível?
 
-Eu vou falar o Cesinha e aí a gente vê o que se pode fazer!
 
Minutos mais tarde, o garoto esboçou um desenho de acordo com o pedido da menina e foi acrescentando-lhe detalhes, que a deixaram encantada pelo modelo:
 
- Adorei!Que talentoso você é!
 
Começaram a namorar no dia da festa de debutante.O vestido ficou perfeito, recebia a todo instante elogio de convidados. César estava muito orgulhoso de ter sido ele o responsável de parte da criação.
 
Com dois anos de namoro, a mãe da menina começou a comprar peças para o enxoval da garota:
 
- Já está na hora de pensar em casamento, minha filha. Não se pode deixar tudo para última hora!E de mais a mais, namoro longo só presta para dar dor de cabeça!
 
Quando Bianca contou da conversa que teve com a mãe, Cesinha crispou:
 
-Eu não quero me casar tão logo! Eu acabei de entrar na faculdade e eu quero terminá-la!
 
A menina envenenada pelas palavras maternas fez um dramalhão:
 
-Eu sabia que voce não me amava! Se você não se casar comigo, eu juro que me mato! – chorando copiosamente, soluçando.
 
As famílias faziam gosto na união juvenil e por isso foram providenciando o casório pouco a pouco.Quando o desenhista se deu conta, já era tarde demais para dizer palavra.
 
Como era previsto, Cesinha ficou responsável em desenhar o vestido de noiva para a namorada.Todo mundo queria dar um palpitezinho na grinalda, no vestido, no buquê, porém, o rapaz foi irredutível:
 
- Esse eu faço questão de desenhar sozinho! Vai ser uma surpresa!
 
Sem outra saída, todos acataram a decisão dele.Ao verem a criação, alguns dias depois, a sogra fez bico:
 
-Não ficou muito simples este vestido, não?
 
-Quanto mais simples, melhor.Quero uma noiva, não uma baiana de acarajé!Estou aprendendo muito lá no curso!
 
Dias antes do casamento, Bianca recebeu um telefonema anônimo por volta das nove horas da manhã.Apanhou o carro do pai, a carteira de motorista recém-tirada e ganhou a estrada velozmente.
 
Tão breve chegou ao sítio, viu uma cena estarrecedora: Cesinha, num altar improvisado, usava o vestido de noiva que havia sido desenhado para ela. Estava de mãos dadas com a uma garota bonita, que trajava um terno com um cravo na lapela.
 
Paralisada, ela ainda ouviu o “sim” da boca do namorado. Estava confusa: o noivo usava vestido e a noiva terno? Sentiu nojo daquilo.
 
Assustada, ela se afastou devagar, chorando.Depois começou a correr pelo sítio, procurando a saída, o carro que nem se lembrava onde o havia deixado.De repente, ela parou.Começou a tirar delicadamente o vestido que estava usando (modelo que também havia sido desenhado por Cesinha) e o depositou  na grama com cuidado.
 
Respirou fundo e entrou devagar no lago castanho até desaparecer por completo.
 
Quando César soube tragédia – o caseiro viu de longe quando Bianca sumiu nas águas turvas – entrou em desespero: será que a namorada havia se suicidado por acreditar que o trabalho de conclusão de curso, um casamento, se tratava de uma cena real ou por que ele pegara seu vestido de noiva sem o seu consentimento?
 
 
(Maria Fernandes Shu - 14 de abril de 2009)
Maria SHU
Enviado por Maria SHU em 14/04/2009
Reeditado em 09/07/2009
Código do texto: T1538308
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