O pedido
Sara não estranhou quando pela manhã sentiu a cama vazia.Era comum o marido sair na sexta-feira e só retornar a casa no domingo à noite, após deixar o dinheiro do aluguel numa mesa de truco e o cheiro de bebida exalando pelo corpo.
Mais uma vez teria de fazer horas extras para dar conta de saldar todas as dívidas; mas dessa vez, mediria as palavras com Plínio, pois as marcas da última surra que ele lhe dera, ainda estavam visíveis em seu corpo franzino.
O telefone tocou quando ela tomava um gole de café preto.De outro lado da linha, a notícia veio tão amarga quanto a bebida que havia deixado na xícara, sobre mesa da cozinha: o marido que já não amava há muito houvera sido baleado e morto numa briga de bar.
Experimentou uma inapropriada sensação de alegria após deitar o telefone do gancho.Estava livre das surras, das humilhações, dos abusos sexuais; livre de um casamento mantido sobre ameaças.Uma lágrima escorreu no momento em que foi surpreendida pelo filho de seis anos, que era louco de amor pelo pai:
-Papai chegou?
Seguia para o ponto de ônibus, após deixa-lo com a vizinha, quando encontrou, jogado no meio-fio, uma espécie de bule de café antigo.Apanhou-o do chão e afastou a poeira dele com um lenço de pano trazido em sua bolsa.
De dentro dele surgiu, em meio a uma cortina enevoada, um gênio, que lhe concedeu apenas um pedido.Após lembrar-se da dolorosa conversa que havia tido com o filho, ordenou:
-Traga o pai do meu filho de volta.
(Maria Fernandes Shu – 13 de abril de 2009)