Deixem de Tentar
Evidentemente falam de mim, mas não falam comigo. O vozerio, a princípio, parecia-me distante. Depois, à medida em que saía do meu estado de torpor, ou de embriaguez, iam-se tornando cada vez mais nítidos, embora o idioma, por vezes, parecesse incompreensível. Não sei quanto tempo durou aquele estado de alheamento. Sentia-me pesado, como a não conseguir acordar de um estado sonolento que me escravizava. Rendia-me, por vezes, ao próprio sono, que era a vida possível; porém, a lucidez voltava em ondas, perturbando-me a calma.
Estariam os olhos abertos ou seria mais um dos meus delírios? A figura de rostos conhecidos desfilava diante de mim. Lembrava-me de crimes, traições e de adultérios. Não tinha a certeza de estar neles envolvidos, seriam apenas lembranças das inúmeras peças literárias que, em minha vida, ousara sorver lentamente como se faz com os bons vinhos; ou seriam lembranças atormentadoras que eu recusava aceitar como minhas negando-lhes a paternidade?
Puxei o ar, mas não senti que me entrava pelos pulmões. Morto? Vivo? Morto-vivo? Qual o estado que poderia descrever-me? Meu nome fugia-me. Louco de mim, pensei: que infeliz esqueceria o próprio nome? Percebi que poderia levantar meu braço direito e o fiz, tentando passá-lo diante dos meus olhos. Eu sabia que ele se movia, que estava diante de mim, mas não divisava nada além de uma cor cinza que me envolvia. Os olhos estavam abertos ou eu não conseguia abri-los? Talvez não tivesse mais olhos.
Com o tempo fui-me acomodando àquele modo de ser. Respirar, eu respirava, mas não sentia o ar. Podia ouvir, mas os sons não faziam sentido algum. Não estava cego, pois via aquela cor cinzenta que mudava de tons, ora densa, ora mais tênue. Tentei mover os pés, entretanto pesavam como o chumbo. Somente o braço direito tinha vida e bati várias vezes no peito, no ar, tentando sair de um túmulo sem a percepção de qualquer odor.
- Você é um dos nossos. – Aquela voz me assombrou e foi a primeira frase nítida dentre tantas que me eram sopradas. Junto à frase veio um arrepio que me percorreu a coluna. Senti também uma presença atrás de mim e acima da cabeça. Sabia agora que me encontrava deitado com o ventre para cima. Não era uma entidade flutuante no espaço, mas um indivíduo trancafiado em um estado extremo de desconforto.
- Quem é você? Tirem-me daqui? Socorro! – Gritei várias vezes sem perceber resposta. Uma sensação terrível percorreu o meu corpo. Era como se minhas entranhas fossem rasgadas e o peito queimasse. Percebi uma forte luminosidade e, por instantes, tentando vencer aqueles terríveis momentos, vi o rosto de um homem estranho e algumas luzes vermelhas piscando.
- Fique conosco, disse o homem. – Percebi que meu braço direito conseguiu segurar o dele. Em seguida mergulhei de novo no conforto do meu calabouço. As vozes sumiam aos poucos. O ardor ainda corria pelo meu peito e somente queria que não tentassem mais. No entanto, não desistiram e fui por mais duas vezes quase arrancado do meu estado sentindo profunda e indescritível dor.
- Deixem-me! – Gritei reunindo todas as minhas forças...
¨Do lado de fora do homem os para-médicos desistiram de tentar. Guardaram os equipamentos e fecharam o zíper do saco preto, permitindo que mais uma das vítimas daquele acidente de trânsito dormisse para sempre...¨
* (Texto elaborado para o Site Anjos de Prata - www.anjosdeprata.com.br - como desafio para atender ao tema: Angústia)
Evidentemente falam de mim, mas não falam comigo. O vozerio, a princípio, parecia-me distante. Depois, à medida em que saía do meu estado de torpor, ou de embriaguez, iam-se tornando cada vez mais nítidos, embora o idioma, por vezes, parecesse incompreensível. Não sei quanto tempo durou aquele estado de alheamento. Sentia-me pesado, como a não conseguir acordar de um estado sonolento que me escravizava. Rendia-me, por vezes, ao próprio sono, que era a vida possível; porém, a lucidez voltava em ondas, perturbando-me a calma.
Estariam os olhos abertos ou seria mais um dos meus delírios? A figura de rostos conhecidos desfilava diante de mim. Lembrava-me de crimes, traições e de adultérios. Não tinha a certeza de estar neles envolvidos, seriam apenas lembranças das inúmeras peças literárias que, em minha vida, ousara sorver lentamente como se faz com os bons vinhos; ou seriam lembranças atormentadoras que eu recusava aceitar como minhas negando-lhes a paternidade?
Puxei o ar, mas não senti que me entrava pelos pulmões. Morto? Vivo? Morto-vivo? Qual o estado que poderia descrever-me? Meu nome fugia-me. Louco de mim, pensei: que infeliz esqueceria o próprio nome? Percebi que poderia levantar meu braço direito e o fiz, tentando passá-lo diante dos meus olhos. Eu sabia que ele se movia, que estava diante de mim, mas não divisava nada além de uma cor cinza que me envolvia. Os olhos estavam abertos ou eu não conseguia abri-los? Talvez não tivesse mais olhos.
Com o tempo fui-me acomodando àquele modo de ser. Respirar, eu respirava, mas não sentia o ar. Podia ouvir, mas os sons não faziam sentido algum. Não estava cego, pois via aquela cor cinzenta que mudava de tons, ora densa, ora mais tênue. Tentei mover os pés, entretanto pesavam como o chumbo. Somente o braço direito tinha vida e bati várias vezes no peito, no ar, tentando sair de um túmulo sem a percepção de qualquer odor.
- Você é um dos nossos. – Aquela voz me assombrou e foi a primeira frase nítida dentre tantas que me eram sopradas. Junto à frase veio um arrepio que me percorreu a coluna. Senti também uma presença atrás de mim e acima da cabeça. Sabia agora que me encontrava deitado com o ventre para cima. Não era uma entidade flutuante no espaço, mas um indivíduo trancafiado em um estado extremo de desconforto.
- Quem é você? Tirem-me daqui? Socorro! – Gritei várias vezes sem perceber resposta. Uma sensação terrível percorreu o meu corpo. Era como se minhas entranhas fossem rasgadas e o peito queimasse. Percebi uma forte luminosidade e, por instantes, tentando vencer aqueles terríveis momentos, vi o rosto de um homem estranho e algumas luzes vermelhas piscando.
- Fique conosco, disse o homem. – Percebi que meu braço direito conseguiu segurar o dele. Em seguida mergulhei de novo no conforto do meu calabouço. As vozes sumiam aos poucos. O ardor ainda corria pelo meu peito e somente queria que não tentassem mais. No entanto, não desistiram e fui por mais duas vezes quase arrancado do meu estado sentindo profunda e indescritível dor.
- Deixem-me! – Gritei reunindo todas as minhas forças...
¨Do lado de fora do homem os para-médicos desistiram de tentar. Guardaram os equipamentos e fecharam o zíper do saco preto, permitindo que mais uma das vítimas daquele acidente de trânsito dormisse para sempre...¨
* (Texto elaborado para o Site Anjos de Prata - www.anjosdeprata.com.br - como desafio para atender ao tema: Angústia)