TEXTO PARA UM DIA DE NEURA

A gente começa a perceber que está ficando mais velho quando já sabe que o maior hit dos velórios é aquela canção de aboiar almas para a eternidade que diz: "segura na mão de Deus e vai". Sabe também que a TOP 10 das sentinelas fala das noites traiçoeiras e escuta um coro afinado. É, ouvir essas músicas se tornou constante.

Preocupo-me um pouco com alguns sinais da maturidade como meus cabelos que começam a ficar grisalhos e alguns pelos brancos na barba que tornaram assunto no salão que frequento. Ao tratar deles com certa frustração e preocupação, escutei de um senhor que entrou na conversa que elas só deveriam existir de fato quando surgir branco o primeiro pelo no saco. Filosofia de salão de beleza. Fui para casa.

A afirmativa passou a me preocupar mais ainda ao secar o corpo após o banho e notar alguns pelos diferentes no peito. Como pedi a Deus para que fossem apenas pelos albinos. Mas não, eram brancos mesmo. Pensei: estão descendo. E naquele tarde tenho certeza que mais alguns na cabeça surgiram.

Quando a gente está em desespero tem cada idéia e se apega a cada coisa. Lembrei daquela lógica besta da adolescência, e se os olhos não veem, o coração não sente. Parecia uma facada cada vez que a esteticista puxava aquela infeliz cera quente. Sem saber das minhas neuras, docemente pediu para eu me apegar a algum pensamento e começou a cantarolar a TOP 10 e eu reflexamente escondi as mãos. Apesar da minha criação cristã, não queria de maneira alguma ser aboiado após minha ida a casa de depilação. O que diriam no velório?

Azar tem o frango que é despenado morto. Não, azar tenho eu que fui depilado, estou vivo e senti na pele que ao desrespeitar os procedimentos pós-depilatórios a gente empola todo e sobrevive para escutar o dermatologista eticamente perguntar se também empolou o contorno. Aquela risada do médico foi como uma facada nas costas também peladas que só não doeram mais que as perguntas e risadas da enfermeira que conseguiu como aliada a minha namorada. Preferi ignorar. Bem, neuras novas o terapeuta agradece e cobra.

Como sempre, acompanho minha avó na suas idas aos cemitérios. Ela reza, anima os velórios, repara as cinturas, fala dos outros,canta as canções de aboio e arrisca um palpite de quem será o próximo. No caminho de casa comenta os motivos da morte e dessa última, segundo ela, foi por amor.

Graças a Deus que tenho terapia amanhã!