A Doce Páscoa No Sertão

A Doce Páscoa no Sertão

Lá no sertão não recebíamos ovos de chocolate...

Era amor e fraternidade o que mais se via por ali. Nos supermercados não havia a tentação dos chocolates, mas a fartura da colheita: feijão verde, umbus, macaxeira, jerimuns.

Nas calçadas, os amigos e familiares se reencontravam, o filho da capital chegava trazendo alegria e entusiasmo para se comemorar a ressurreição de Cristo.

Lá no sertão não esperávamos o coelho. Ansiávamos por receber boas esmolas, as ofertas generosas que em todas as casas as famílias davam, do que de melhor tinham colhido na terra, após a boa chuva descida do céu.

Era um ritual irmos de porta em porta:

- Me dá uma esmolinha pra mamãe jejuar?

O engraçado é que se for pensar, jejum se faz sem de pão se alimentar. Mas, nós ingênuas crianças, pedíamos em todos os lares um prato de comida, um pão, um pouco de feijão, e o que de mais as senhoras e homens do campo nos quisesse ofertar.

No sertão, os pais separavam em molhos o feijão para os compadres, e nós os afilhados íamos felizes entregar como esmola àqueles que nos apresentara a Deus. A uns se entregava batatas, a outros o feijão, para algum mandioca, ou o que mais Deus e os todos os santos nos tivesse doado no ano de tempo bom.

Eram tantas as esmolas, mas esmola no sentido de oferta e gratidão para aqueles que eram segundo pai e segunda mãe. E como tinham compadres e comadres a visitar!

Lá no sertão, a fraternidade se fazia presente no almoço de sexta-feira santa, e era demasiadamente grande, pois os amigos, os vizinhos, e padrinhos chegados de longe estavam presentes.

A páscoa ainda tinha a festa do fazer bolos. Todas as famílias preparavam muitas receitas; bolo de macaxeira, bolo de goma, bolo preto com rapadura, bolo de ovos de leite e também a fabricação de biscoitos, postos em muitas formas de lata. E quando tudo estava preparado, se via uma verdadeira procissão de mulheres e crianças com formas de variados bolos a levar para assar nos fornos da padaria, ou dos quintais da vizinha mais rica que tinha um grande forno de lenha, feito do puro barro. Lá no sertão não havia disputa, cada forma tinha seu nome, mas todos podiam estar juntos em um mesmo lugar. O forno à lenha abrigava os bolos e biscoitos e os corações dos amigos, vizinhos afetuosos à espera dos assados.

No sertão de minha infância eu me deliciava com o que recebia de meus padrinhos, um me davam roupas, outro um dinheiro que eu nunca podia receber de meus pais, de outro, sabonetes, perfumes, e balas para adoçar o paladar. Não recebíamos ovos de páscoa, pois a amizade era o doce. Não esperávamos o coelho de páscoa, esperávamos os padrinhos e amigos a nos abraçar e fazer rir. Ali, a sexta-feira santa era um dia especial. Nós silenciávamos em respeito ao Cristo morto, e não brincávamos no quintal e somente à meia noite do sábado o riso se fazia perceber, quando crianças e homens, mulheres e meninos começavam a judiar do Judas traidor, um boneco feito pelas mãos de um artista, que todas as pessoas nele as mazelas queriam descontar: o que fez ao cristo, o que fez a nós em traição. O Judas ele representava o mal. E por isso, malhávamos o pobre Judas até que o fato estivesse consumado.

No sertão a páscoa era diferente, era um misto de amor e esperança, de alegria e gratidão, de conversas demoradas ao pé da rede, esperando a salvação no domingo de páscoa, quando o sino tocava chamando a todos pra celebração: Jesus não estava morto. Para sempre vive!

Paula Belmino