A GARAGEM
Nos dias atuais, principalmente nas grandes cidades, onde a desconfiança está em todos os semblantes, as pessoas em geral sabem que, devido as malandragens e os inúmeros golpes que acontecem diariamente, até a própria sombra é sempre suspeita. Mesmo assim há sempre alguém que dá uma colher de chá às oportunidades obscuras e é aí que mora o perigo, diga-se de passagem.
Foi o que aconteceu com um morador do meu bairro, um senhor bastante conhecido, simples e sempre reservado, o qual, certo dia, teve a ideia de construir uma garagem no local em que antes havia um bonito jardim, que sua ex-esposa cuidava com carinho. Após o fim do casamento, agora morando praticamente sozinho, com a intenção de aumentar um pouco a sua renda mensal, o seu Silva arregaçou as mangas da camisa, ou melhor, tirou-a, contratou um ajudante e em pouco tempo o cômodo já estava pronto. Deu um acabamento, pôs o portão e já pensou em alugá-lo. Só que alguns vizinhos invejosos e de “olho grande” começaram a desdenhar do serviço do seu Silva:
- Olha só, que velho metido a besta! Não tem nem carro! Pra que ele quer uma garagem?!
Adivinhando os comentários maldosos, ele não demorou muito tempo e resolveu por uma placa assim: ALUGA-SE. Mas, por causa desse resumido anúncio, muitas pessoas chegaram a importuná-lo, pensando que se tratava do imóvel todo, isto é, a casa também, o que não era verdade. Quando ela já pensava em alterar aquela placa para ALUGA-SE ESSA GARAGEM, eis que surgiu um rapaz que propôs o negócio e, como tinha muita pressa, no mesmo dia assinou o contrato, pagou depósito tudo certinho, pegou a chave do portão e ponto final. E já deixou logo um carro guardado ali.
Foi mais um prato cheio para os mesmos vizinhos fofoqueiros. Os comentários voltaram agora mais maliciosos e contundentes. Mas o tranquilo seu Silvo fingia que era surdo. Era o melhor que ele podia fazer para não alimentar mais desavença ou intriga. Com o passar do tempo, algo começou a chamar a atenção do proprietário daquela garagem. Ele não conseguia entender porque o rapaz que a alugou só aparecia no período noturno para guardar o carro? E como ele não conhecia nada desse assunto, só ficou mais esperto quando ouviu os vizinhos comentando entre si:
-Nesse angu tem caroço! Quem alugou essa garagem do velho deve estar fazendo algum trambique por aí!...Pois quase todo o dia ele traz um carro diferente para guardar. E é sempre tarde da noite. Antes um pouco do amanhecer ele volta e leva o automóvel embora. Depois aparece com outro de outra marca.
-Acontece isso mesmo, vizinho? Pois eu vou começar a anotar as placas para fazer uma fezinha no bicho! – Falava outro.
E o seu Silva, ouvindo aqueles comentários em tom de fofocas, desta vez, resolveu não deixar pra lá, ignorando-os. Afinal, onde há fumaça, há fogo. Portanto, começou a ficar mais atento e observador sobre aquela constante troca de carros que estavam sendo guardados na sua garagem. Nesse ponto, chegou até concordar com aqueles vizinhos. Pois foi fácil perceber, principalmente ele, que a mudança, a troca de carros era uma realidade, uma triste verdade. “Nesse mato tem coelho!” – pensou ele com os seus botões.
Até que certo dia, ou melhor, certa noite, às 3.35 da madrugada, para ser exato, o velho foi acordado com alguém querendo falar com ele. Pensando ser o rapaz que alugara o seu pequeno imóvel, pois devia ter esquecido ou perdido a chave do portão, foi abrir a porta. Para a sua surpresa, deu de cara com dois policiais. O primeiro logo perguntou:
-O senhor pode nos informar de quem é esse carro estacionado aqui na sua garagem?
- Não senhor! Não sei. E meu é que não é, não senhor!
- Se não sabe, o senhor vai saber lá na delegacia. Está preso por receptar carro roubado! – já intimou o segundo policial, pegando as algemas.
-Agora abre o portão que o guincho já deve estar a caminho!
Tudo isso não foi um prato cheio, foi um banquete para a vizinhança fofocar o resto da semana.
Naquela madrugada, o seu Silva não tremia só do frio que estava fazendo, mas de medo e decepção, porém mais de medo, diga-se de passagem. Afinal, como poderia aconteceu um negócio desse justamente com ele, que nunca se envolveu com nada que estivesse fora da lei? Após ouvir tudo que o acusado tinha para dizer, o delegado resolveu prender o ladrão de carros roubados. Como? Montando campana na casa do seu Silva. Pois ele tinha quase certeza que o tal larápio voltaria para pegar a sua “encomenda”, tranquilamente. E ele tinha toda a razão. Logo que o dia amanheceu eis que o dito cujo chegou e sem desconfiar de nenhuma arapuca, armadilha para sua captura, não vendo o carro na garagem, foi logo falar com o dono da casa.
O seu Silva, ao ser indagado, foi curto e preciso:
-Eu sei onde ele está, meu jovem!
Em seguida, copiando até um conhecido e famoso apresentador de um programa noturno de televisão, em seguida falou:
- “Vem comigo!”.
E quando dobraram a esquina, conforme o combinado com os policiais, o ladrão recebeu a ordem de prisão. Algemado e sem demonstrar nenhuma resistência ou surpresa foi levado para ver o sol nascer quadrado. Quanto ao proprietário daquela garagem, agora desocupada, após esse transtorno, chegou a pensar em demoli-la. Porém, com sugestões mais coerentes de parentes residentes em outro bairro da capital, segundo os mesmos, para valorizar o imóvel, melhor seria deixar como estava e recolocar uma placa, mas assim: “VENDE-SE ESTA CASA!”. Em seguida, foi morar com uma filha em outro bairro, até resolveu a venda daquele imóvel e comprar outro, posteriormente.
Agora se aquele infeliz larápio, se conseguir sair da prisão e tentar algum tipo de vingança, pode até bater na porta certa, mas em compensação, deparar-se-á com uma pessoa errada. Afinal, é a vida, nem tudo acontece como a gente deseja e quer.
João Bosco de Andrade Araújo
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