COTIDIANO

Todo dia eu faço tudo sempre igual. Levanto às seis horas da manhã, preparo um café forte e o engulo mastigando um pão com manteiga. Ora mastigo, ora engulo a massa devidamente envolvida pelo líquido preto. Frito ovos com queijo e deixo no forno, para quando Amélia acordar, às 10 da manhã. É. Amélia não se acorda cedo nem por um decreto. Mal alimentado, saio para trabalhar.

Todo dia eu tenho que me cuidar. E essas coisas quem diz sou eu mesmo. De manhã, no trabalho, corro o quanto posso com as minhas tarefas. Carimbo papéis, arquivo pastas, carimbo mais papéis e arquivos e mais pastas. Isso até o meio-dia. Quando o relógio digital avisa - simultaneamente com o biológico - que é hora do almoço, saio correndo para no boteco da esquina almoçar. Ir para casa? Nem pensar! Amélia só come biscoito. Comida caseira, só a da minha finada mãe mesmo. O jeito, então, é me calar com a boca de feijão do Bar do Seu Cosme.

Enquanto como, penso na vida pra levar. A hora de ao trabalho voltar, carimbar, arquivar, telefone atender, carimbar mais, arquivar mais, atender mais. E quando lembro o que me espera em casa, penso em dizer não. Não para Amélia, não para a falta de cuidado, não para a indiferença. Mas os carimbos não deixam. As pastas, também. E volto a carimbar e arquivar. Os telefonemas, claro, não param de chegar.

Enfim, como era de se esperar, chega seis da tarde. Saio devagar, cansado e desanimado. Não tenho pressa de em casa chegar. Quem me espera pro jantar? Amélia? Nem que se tornasse santa! A mulher só vive na rua, na casa dos outros, no salão da esquina, menos na própria casa, que não é um lar. Antes uma construção para se dormir, para da chuva se abrigar. E só. Não tenho ninguém que me beije com a boca de paixão.Vou pensando nisso, dentro do lotado buzão.

Entro em casa. Um breu. Acendo as luzes. Vou na cozinha, colado de fome. Pego a lasanha, coloco-a no forno. Espero. Tiro. Como. A fome é grande. Amélia? Nada de chegar. Toda noite é assim. Muitas vezes eu vou deitar e ela nem tem dado o ar da graça. O relógio marca meia-noite. Amélia chega. Entra de mansinho no quarto. Pensa que eu estou dormindo. Ledo engano. Aninha-se em mim. Então eu sinto uma onda me tomar, meu corpo não obedece à razão. Aperto Amélia para quase sufocar. E fazemos amor com paixão.