Juventude Mórbida
- Vamos por fim a esta coisa que vem se desgastando há meses?
- Por que toda esta pressa, Márcio?
- O dia lá fora continua e temos inúmeros afazeres! Somos jovens...
Olhou em volta e não pestanejou: - até logo! Despediu-se rispidamente.
- Márcio, mas ainda não conversamos e você precipitadamente toma esta atitude?
- Olhe em seu redor Valéria, toda uma vida para viver, amar, trabalhar... e só ouve você reclamando desta maldita vida? Afinal, o que você quer de você mesma e de todos que a rodeiam?
- Márcio eu gostaria que as pessoas me entendessem. Isto é exigir muito? Passo por problemas temperamentais, não estou nada bem comigo.
- Valéria, eu preciso ir.
- Tudo bem, Márcio. Mas se algum dia tiver um segundinho de paciência venha me ver. Eu preciso muito!
Márcio saiu. Dirigiu-se à garagem para pegar o seu carro. Ligou-o e partiu.
Valéria ainda acomodada em seu quarto buscava uma justificação satisfatória para aquele mal que a afligia. Não conseguiu.
Márcio não pegou o itinerário de casa. Como era sexta-feira e apenas 20:40 h da noite, não justificava a sua ida para casa. Foi a um lugar de costume, local em que sempre encontrava amigos. Na chegada, foi logo sendo recepcionado por quatro amigos que o conduziram até à mesa. Beberam e conversaram.
No sábado pela manhã, Márcio havia marcado, como de hábito, uma “pelada” na quadra municipal com os amigos. Levantou, tomou o café, conversou um pouco com a mãe e saiu. E não podia faltar também a cerveja após a “pelada”. Foram ao mesmo bar do dia anterior, que era bem próximo.
Não havia pensado ainda em Valéria, desde a noite passada em que tomara a atitude de ir embora. O namoro, na verdade, já estava se desgastando e o melhor era não pensar nele e viver a sua vida. Nem mesmo sua mãe havia perguntado como de costume, sobre Valéria.
“ Mas como ela estaria, pensou por um instante... ” Seria conveniente ligar para ela ou deixar que ela apagasse aqueles fantasmas, com os quais vinha vivendo há alguns dias. Talvez o silêncio e o isolamento a fizessem melhor.
Márcio teve uma tarde muito agradável. Nenhum dos amigos mencionou o nome de Valéria ou mesmo questionou a sua ausência.
À noite, Márcio sentiu que apesar de toda resistência precisava saber como estava Valéria. Ligou.
Valéria não atendeu. Insistiu diversas vezes e nada. Preocupado pegou o carro e foi à sua casa.
Os pais de Valéria o recepcionaram, consternados, perguntando-lhe:
- Mas você não sabia o que Valéria aprontou na sexta-feira, horas depois que você se foi?
- Não. Eu não fiquei sabendo de nada. Afinal, onde está ela?
- Márcio, querido, ela está viva sob o auxílio de aparelhos. Os médicos que a atenderam, após exames preliminares, chamaram-nos e disseram que não há nenhuma possibilidade de restabelecimento. Houve um traumatismo craniano agudo, provocado pela queda. Descartaram, inclusive, a possibilidade de uma cirurgia...
Márcio apavorado e sentindo-se que poderia ter evitado aquela tragédia, indaga:
- Mas o que aconteceu a Valéria?
- Ela foi à varanda e se jogou de cabeça. Foi uma enorme poça de sangue e pessoas correndo vindas de todos os lados, ambulância, polícia... Foi a pior sensação de nossas vidas.
Márcio arrasado com a notícia, despediu-se e saiu, colocando a disposição caso necessitassem de algo.
Chegou ao hospital. A visita a princípio não seria permitida, tendo em vista o horário, a gravidade da paciente e o local onde estava: Unidade de Tratamento Intensivo. Insistiu, mas não o deixaram vê-la... Conseguiu apenas falar com um médico da equipe que a atendera na sexta-feira. O médico, no entanto, foi incisivo: “ não há volta... a qualquer momento receberão a notícia do pior... o sistema circulatório ainda resiste graças aos seus 23 anos.”
Márcio agradeceu ao médico e saiu. Mas o tédio estava impregnado em seus pensamentos. Poderia ter suportado e permanecido na sexta-feira por mais tempo com Valéria. Talvez conseguisse evitar a tragédia... ou não... (sentiu-se aliviado por não estar se culpando).
Atendeu ao telefone. Era o pai de Valéria avisando-o que tudo tinha acabado. Como previsto Valéria não resistiu.
Passados meses, Márcio sentia-se cada dia mais atormentado. Encontrava-se menos com os amigos, preferindo refugiar-se em casa. Sentia constantemente uma pressão no peito que não sabia a causa (fingia não saber...). Estupidamente não procurou ajuda médica, mesmo sob a insistência dos pais e amigos.
Num sábado pela madrugada. O pior de todos os sábados. Já passava das 02:40 h quando foi ouvido um estampido vindo do quarto de Márcio. Correram até o quarto e o encontraram caído, inerte... Foi o fim.