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- AI, MEU DEUS! É isso mesmo que eu estou vendo? Não A-C-R-E-D-I-T-O! CARACA! Você tá vendo o mesmo que eu, Claudinha? Esse vestido é tão in, cara, eu vi na Fashion Week. Não acredito que tem aqui. Não acredito, não acredito, não acredito!

- Mas Marcinha, a gente não veio aqui pra comprar isso, né? – adverte a sábia amiga. – A festa do Yuri é amanhã de noite, cara, e esse vestido é amarelo! Tipo, não dá pra ir numa festa de noite vestida de pintinho, ainda mais na casa do Yuri! Só se, tipo, você quiser ficar parecendo um sinalizador ou alguma coisa assim, saca?

- Eu não quero saber, Claudinha. Esse vestido é MARA, e se o Yuri não achar que é, foda-se ele que tem mau gosto.

Claudinha, sempre sábia, tenta dissuadir a amiga.

- Assim, Marcinha... esse vestido tava no Fashion Week! É in e tudo mais, mas é Fashion Week! Onde as mulheres, tipo, andam de vestidos feitos com garrafas de refrigerante e peito de fora. A moda dali fica ali na passarela, não vai pras ruas!

- Deixa de tentar parecer cult, Claudinha, isso não combina contigo! Cheia de blábláblá de velho, parece até minha tia Anita falando! Eu vou comprar aquele vestido, e não vai ser você nem seus discursos cults que vão me impedir!

- Ai, Marcinha, eu acho isso tão idiota... comprar a roupa só porque apareceu na televisão. Você odeia amarelo!

- Tá bom, tia Anita. Vamo entrar logo na loja e comprar esse vestido de uma vez por...putaqueopariu, A MULHER TÁ LEVANDO O VESTIDO!

- O quê?

- Cê tá cega, porra! A gente ficou aqui na frente blábláblando e a mulher foi mais rápida que eu! Vamo logo, bora entrar nessa loja!

As duas atravessam a rua correndo, gerando a raiva na face de uma motorista idosa e o sorriso e gritos de “GOSTOSAS!” de um motorista idoso.

- Boa tarde, senhoritas, em que posso ajudá-las? – pergunta, solícita, a vendedora da loja, ao ver as duas entrando no estabelecimento.

- Aquela mulher que saiu daqui ainda pouco... – diz Marcinha, tentando segurar o nervosismo de gritar que aquela desgraçada havia comprado o vestido. – ...o vestido que ela comprou... tem mais algum dele?

Subitamente, a expressão no rosto da vendedora se transforma: passa de solicitude para desdém.

- Desculpe, mas só trabalhamos com modelos exclusivos. Aquele vestido foi costurado pela grife de JOSÉMATIASDESOUZABLOOM, minha querida. É único. Se não sabe, apareceu na Fashion Week ontem mesmo.

- EU SEI, SUA FILHA DA PUTA, TÁ PENSANDO QUE EU SOU UMA DESANTENADA IGUAL À PORRA DA SUA MÃE? – ela coça os lábios para dizer. Mas não diz. Mamãe havia lhe ensinado a se portar corretamente diante de vendedoras de boutiques. – Obrigado. – é tudo o que fala.

- Viu? Tava escrito nas estrelas: amarelo é brega. – diz Claudinha – Por isso que as forças astrais não permitiram que você comprasse aquele vestido e se fantasiasse de gema ambulante.

- As estrelas tão do meu lado, Claudinha. – ela responde. – A vendedora da loja é tão tapada que nem fechou a compra daquele vestido. Deu pra ver o endereço da mulher que comprou na tela do computador. Espero que aquela vendedora morra dolorosamente, desgraçadinha metida. Vendedora de loja e ainda acha que pode empinar aquela nareba gigantesca!

- Você não vai atrás daquela mulher, vai?

- Claro que não, Claudinha. Eu vou atrás daquele vestido!

A casa não ficava muito longe da loja. Cinco minutos de caminhada e as duas já estavam lá. Mas as coisas não seriam tão simples:

1) O portão era alto;

2) Havia um aviso de cão raivoso afixado do lado de fora;

3) As duas estavam se cagando de medo.

- Deixa disso, Marcinha, vambora daqui. Depois você compra um vestido parecido!

- Nããão! Eu quero o vestido do JOSÉMATIASDESOUZABLOOM.

- Quem é esse, afinal de contas?

- Sei lá, mas os vestidos dele são carreréééésimos. Alguma coisa de bom o cara tem que ter.

- Eu não vou continuar com essa doideira, amiga. Vou ficar aqui te esperando. – Claudinha senta no meio-fio em sinal de protesto.

- Ótimo, então. Conte pros seus netos que você ficou sentada me esperando enquanto eu parti em uma grande aventura pela minha vida.

- Vida? Peloamordedeus, é só um vestido!

- É o vestido, queridinha. – Marcinha diz, começando a escalar o portão.

Não posso ter a alegria de dizer que Marcinha começou bem. Nunca havia pulado nem mureta em toda sua vida, e escalar aquele portão foi um desafio. A duras penas, consegue chegar ao topo. Quando está descendo, RÁÁÁÁP, uma das bocas da calça rasga-se, deixando sua perna nua e parte das calcinhas à mostra.

Mas esse é o menor dos problemas. Ao ouvir o som do rasgo, um enorme cachorro – ou seria um búfalo? – corre dos fundos da casa, latindo de forma assustadora.

Nesse momento eu poderia parar com toda a história e dizer que Marcinha havia sido devorada por aquele animal sanguinolento.

No entanto, isso não aconteceu.

Ágil como uma lebre, a adolescente consegue subir na árvore que fica de frente para o quarto da dona da casa (no primeiro andar) – e, consequentemente, do vestido. Mesmo que nunca tivesse se aventurado na escalada de uma árvore, sobe com uma agilidade e rapidez que só o medo da morte é capaz de mostrar.

- O que foi, precioso? – grita a dona da casa. Enquanto a mulher sai do seu quarto, Marcinha, a gatuna, entra pela janela aberta.

Lá estava a preciosidade: reluzente como ouro puro, o vestido estende-se pela cama. Lindo, limpo e passado, pronto para ser usado. Marcinha amarrota-o e enfia-o na cintura. Esperando o momento exato – a dona da casa está prendendo o cachorro nos fundos da casa –, para descer cuidadosamente da árvore.

Ainda trêmula com o roubo espetacular que acaba de fazer, corre até o portão e o pula o mais desajeitadamente que pode.

- Caralho, Marcinha... tipo, eu quase me caguei aqui! – grita Claudinha, abraçando a amiga. – Sua maluca!

- Uma maluca com um vestido do JOSÉMATIASDESOUZABLOOM – ela diz, puxando o tecido amarelo da cintura. – É tão in, não é?!

- É, claro que é, sua maluca desgraçada. Agora vambora daqui. A mulher vai dar pela falta do vestido e chamar a polícia daqui a pouco.

- Tá bom, tá bom, vambora! – ela diz.

- Ainda não acredito no que tu fez, sua doida! – exclama Marcinha.

A noite cai lentamente; as duas passam por uma loja de eletrodomésticos, onde uma infinidade de televisões aparece sintonizada no mesmo canal.

- ...então a nova tendência é o prateado? – pergunta a repórter.

Marcinha e Claudinha congelam. Viram a cabeça lenta e sincronizadamente. No rodapé das televisões, aparece o nome: JOSÉMATIASDESOUZABLOOM.

- Sem sombra de dúvida! – diz o estilista, de modo afetado. – Prata é o mais in do momento, querida.

- Mas e quanto às cores quentes, como o amarelo, que o senhor usou em sua coleção mais recente?

- Amarelo? Nááá. – ele tem desdém na voz. – Amarelo é século passado, querida. Deleta isso do seu HD mental! Cria um arquivo chamado “PRATA” e salva, ok? – ele olha para a lente da câmera. – E vocês também, telespectadores. D-E-L-E-T-E-M amarelo de suas vidas, ok? Incluam prata e sejam felizes!

- Esse foi o recado de JOSÉMATIASDESOUZABLOOM. Adele Martins, Jornal do Fim da Tarde, de volta ao estúdio.

Marcinha e Claudinha entreolham-se.

- Você, tipo, vai usar o vestido amanhã, não vai? – pergunta Claudinha.

- Como assim? Usar isso? – o mesmo desdém de JOSÉMATIASDESOUZABLOOM reside em sua voz enquanto ela puxa o vestido de sua cintura e o segura nas pontas dos dedos. – Eu O-D-E-I-O amarelo!

- O que você, tipo, vai usar então?

- Você ainda tem dúvida? Eu PRECISO de um vestido prata!