PAKAA-RÔ

(continuação de Maitê)

Mostrando a caneta ao índio velho, perguntei-lhe.

- O que é isso? Ele respondeu.

- Pakaa-rô.

Anotei em minha caderneta de campo; pakaa-rô = caneta.

Paralelo ao trabalho científico de coleta de dados sobre os vegetais utilizados pelos Xavantes, eu imaginava fazer um vocabulário para facilitar a comunicação entre os “selvagens” e eu “o civilizado”.

Passei muitas horas observando o dia a dia daquele povo tão bem integrado à natureza. Hábitos simples numa sociedade tribal onde os papeis sociais são desempenhados por todos sem estresse nem o auxilio de psicólogos ou intervenções policiais. Os desvios de conduta são resolvidos por conselho tribal onde todos podem opinar e o faltoso ou é punido ou mandado embora sumariamente.

Vários objetos, plantas, bichos que eu apontava e perguntava como se chama? A resposta era invariável. Pakaa-rô. Meu vocabulário estava ficando rico. Pakaa-rô era uma espécie de coringa linguístico. Servia para quase tudo.

Quando eu falava com Rebeca, minha doce gaúcha, sobre o progresso do meu vocabulário ela sempre dizia que devia ter algo errado. Mas meu entusiasmo não deixava ver. Ela dizia que em seus contatos com as mulheres xavantes, embora ela também não falasse a língua, jamais ouvira o pakaa-rô, a essa altura meu velho conhecido. Por ser de Santa Vitória do Palmar, extremo sul do Brasil (ela já havia tomado banho no arroio Chuí), Rebeca falava o “geral” (misto de Guarany, Castelhano e Português) que é a língua falada pela maioria dos habitantes daquela região fronteiriça com o Uruguai.

Nas horas mais quentes do dia, íamos todos tomar banho com os índios. O constrangimento de ficarmos nus dos primeiros dias desapareceu diante da simplicidade dos anfitriões que vinham nos esfregar e pedir para serem esfregados. Por respeito ao rio e aos outros seres que vivem nele, nunca usávamos sabão. Quando a sujeira era demais, usávamos bucha vegetal. Estávamos virando xavantes cujos conceitos ecológicos deveriam ser adotados nas escolas de todo mundo em todos os níveis. Mas o tempo passou e tivemos que voltar para nossas vidas de “civilizados”.

Datilografei meu vocabulário e apresentei-o ao professor Mário Cruz especialista em linguística de povos das Américas. Depois de um exame minucioso o professor pediu que eu repetisse várias vezes o som da palavra pakaa-rô e que eu dissesse em que circunstância o ancião havia pronunciado. Não poupei saliva. Expliquei nos mínimos detalhes as cenas e as circunstâncias de como tinham sido apresentados os objetos e de como havia feito as perguntas acompanhadas de muitos gestos e expressões faciais que indicassem a curiosidade.

O índio erguendo os ombros repetia sempre a mesma coisa.

- Meu filho, sua dedicação é louvável, mas seu esforço foi inútil. Pakaa-rô em xavante quer dizer “sei lá!”.

Hoje fico me perguntando, por que em vez do vocabulário eu não me dediquei a conhecer melhor minha linda Rebeca?

A resposta é inevitável, pakaa-rô...