“Mulheres Perdidas” – Perdida no Estrangeiro
 
Estava morando na cidade havia poucas semanas com a mãe viúva.O último relacionamento afetivo não havia deixado nela nenhum traço de saudade.A agressividade e a possessividade dele pesaram muito na hora da mudança para outro lugar.
 
Mas agora iria tocar a vida.Já pensava em se matricular em algum curso – de idiomas, talvez - conhecer gente nova, tomar coragem e passar a tesoura nas madeixas, para experimentar o prazer do vento batendo em sua nuca.Não tinha seu coração fechado para o amor, caso ele resolvesse bater novamente à sua porta.
 
A mãe, uma relações-públicas, tinha diabetes e era uma boa mulher.

Naquela noite, D.Lucinda tomou a dose de insulina e foi se deitar mais cedo.Sozinha,Martina desligou a televisão depois de zapear um pouco nos canais e, ainda sem sono, resolveu entrar numa sala de bate-papo da Internet.
 
Teclou com dois homens: julgou o primeiro jovem demais e o segundo, velho demais.Já estava disposta a encerrar a conexão, quando um terceiro puxou conversa.Gostou da abordagem dele. Trocaram MSN.Quando se despediu do tal sujeito já era manhã de domingo.Não havia percebido as horas passarem, tão agradável havia sido o papo.
 
Conversavam todos os dias via MSN. Admiravam-se via webcam.Trocavam e-mails. As afinidades eram muitas. Muitas.
 
Porém, havia alguns entraves nessa súbita paixão: eles moravam em países diferentes e não falavam a língua do outro.O tradutor trilingue instalado no PC ajudava bastante nas conversas virtuais, mas como seria pessoalmente? Acreditavam na linguagem universal do amor, encontrariam uma solução.
 
Ambos sonhavam com o primeiro olhar real, o primeiro toque das mãos, o beijo...Entretanto ,os dois tinham também seus compromissos.Não era tão simples sair do país como parecia ser, mesmo os dois sendo solteiros.A mãe doente era a maior preocupação dela: “E se acontecer algo de grave com ela na minha ausência?” -ponderava.
 
O tempo se arrastava e só fazia a vontade e a curiosidade dos dois se conhecerem aumentar.Era paixão.
 
Uma noite, no meio da conversa com o amado, ela foi tomada por um delírio de mulher apaixonada.Disse que iria ao encontro dele, estava decidido.Ele deu todas as coordenadas para ela assim que pisasse em terra estrangeira.
 
Quando chegou no outro país, a primeira coisa que fez ligar para ele, do telefone celular, pois ele não estava no local combinado e ela já estava ali há uma hora.
 
Entendê-lo foi um sofrimento,ligação ruim, idioma adverso, mas deduziu que ele a esperaria em outro local, já que havia acontecido um problema e ele se atrasaria ainda mais se ela permanecesse ali.
 
Andouandouandouandou.O comércio emoldurado por uma língua distinta, cassinos,a paisagem, gente andando apressada,as comidas, os rostos das pessoas tão parecidas entre si começaram-na a deixar cada vez mais angustiada.Tentou comunicar-se  sem sucesso com elas, e quando se deu conta, estava perdida.Já não tinha certeza de que havia compreendido bem o futuro pretendente ao telefone.Não sabia informar para onde queria ir, nem onde estava ao certo.Ligou de novo.Fora de área.Ligouligouligouligou.Ele não atendia.
 
Entrou em pânico.Estava perdida em terras estrangeiras.E agora? A essa altura já se penitenciava por ter agido precipitadamente.Não havia calculado bem os riscos, e "a mãe, meu Deus, sozinha numa cidade nova... " Encostou-se  em pé num poste e cobriu com as duas mãos o rosto suado.Tudo aquilo havia sido em vão? Havia se deixado enganar mais uma vez pelo coração?
 
Chorava cabisbaixa quando sentiu um homem  cheio de sacolas nas mãos tocar-lhe o ombro.Finalmente alguém falava a sua língua e estava disposta a ajudá-la. Foi sua salvação.
 
Chegou em casa na hora do jantar.Levou uma bronca da mãe, que preocupada com o sumiço da filha de doze anos, havia acionado toda a polícia de Santana do Livramento:

- Martina, já não sei mais o que fazer com você! Já  não me basta o trabalho que você me deu com o seu namoradinho de dezesseis anos mega ciumento? Está de castigo! Sem computador até segunda ordem!

- Desculpe-me, mamãe...

 
Prometeu à mãe que só atravessaria a rua de novo, ou seja, a Fronteira de La Paz , no Uruguai ,sozinha, sob uma condição: terminar o curso de espanhol que Dona Lucinda a havia matriculado.
 
 
 
(Maria Fernandes Shu – 27 de março de 2009)
 
 
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Este texto faz parte do II Desafio Recantista de 2009.

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 Obelisco da Praça Internacional, na "Frontera de la Paz", cidades de Rivera (Uruguai) e Santana do Livramento (Brasil)
 
Maria SHU
Enviado por Maria SHU em 27/03/2009
Reeditado em 17/04/2009
Código do texto: T1509813
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