O CAMINHO PARA A DESCOBERTA

Era manhã de um dia radiante, onde tudo combinava com alegria e entusiasmo, para fazer jus ao Sol que brilhava com intensidade e a brisa que soprava mansa sobre a cidade. No entanto, como para prenunciar, o vento soprou mais forte e o céu ficou acinzentado. De repente, chega a notícia de que um cachorrinho, da estimação de um amigo nosso, foi encontrado morto, no quintal da casa. Como todos da nossa família conheciam o cãozinho, logo surgiu uma pergunta insistente: “de que ele morreu?”. A princípio não tínhamos detalhes, mas, em poucos minutos, recebemos uma ligação telefônica, de uma das filhas do dono do cãozinho, informando que tudo levava a crer que ele havia sido envenenado. Ao ser perguntada sobre como acontecera, ela respondeu que: alguém havia encontrado uma pequena poça de vômito, ao lado do cachorro morto e, a partir daí, levantara a possibilidade dele ter sido envenenado. Logo que ela desligou o telefone, um dos meus filhos decidiu ir até lá para ver se descobria alguma coisa que pudesse ajudar a esclarecer aquela situação.

Já passava das três horas da tarde quando ele voltou para casa, trazendo uma série de anotações sobre o que registrara na cena de morte do cão. Ele disse que o pessoal da casa estava entre triste e revoltado, pois ninguém entendia como alguém poderia fazer mal a um animal dócil e querido pelas pessoas da rua e por todos que passavam por ele em seu passeio vespertino.

Eu não sei, até agora, se meu filho resolveu apurar o caso, porque gostava de animais ou porque estava sensibilizado pelo que nossos amigos estavam passando. Eu só sei que ele sentou-se à mesa do escritório e pôs-se a rabiscar várias folhas de papel, nas quais remexia continuadamente como se estivesse á procura de montar um quebra-cabeça. Ele estava tão ansioso que, chegada à hora do jantar, não atendeu a nossa chamada e continuou na sua tarefa noite à dentro. Como tenho o hábito de dormir cedo, nem cheguei a ver a hora que ele foi dormir naquele dia e muito menos se ele jantou.

No dia seguinte, de manhã bem cedo, ele chegou para o café da manhã primeiro do que todo mundo. Quando entrei na sala, percebi que ele estava agitado e seus olhos brilhavam intensamente. Antes que eu dissesse qualquer coisa, ele adiantou-se e afirmou, quase gritando: “descobri tudo; graças as minhas anotações e ao fato de haver aplicado o método científico que tenho praticado, ultimamente, em meu curso universitário”. Nesse meio tempo, a família reunira-se em torno da mesa e ficou acompanhando, atentamente, o passo a passo da investigação procedida por meu filho.

No seu relato, ele tentou demonstrar como organizou os dados nas várias folhas rabiscadas. Na primeira delas, descreveu o aspecto do vômito, encontrado ao lado do corpo do cachorro morto, dizendo que “tinha cheiro forte, aspecto pastoso, cor verde-amarelada, mais ou menos uniforme, exceto por pequenos fragmentos de um verde mais intenso”. Na folha seguinte, mostrou-nos que havia feito anotações sobre os hábitos alimentares do tal cãozinho, resumindo da seguinte maneira: “ele adorava frutas e verduras, com textura firme, e foi visto várias vezes comendo frutos caídos da árvore plantada no quintal do vizinho, a qual tinha um galho que passava por cima do muro”. Na terceira folha, registrara comportamentos, apresentados pelo animal, que pudessem ter estimulado a ira de alguém, o que se resumia aos latidos esporádicos, que só aconteciam quando sua vasilha de água estava vazia.

Passadas as dicas, o meu filho tentou levar-nos a propor respostas às perguntas que ele sabia estar fervilhando nas nossas cabeças. Apesar da nossa impassividade, insistia: “vamos lá minha gente, vamos ver quem consegue descobrir o que aconteceu”. Diante da insistência, os protestos foram gerais, pois todos nós precisávamos tomar nosso café da manhã, para cumprirmos nossos compromissos agendados anteriormente. Os apelos foram imediatos no sentido de que ele evitasse os detalhes e contasse logo como havia conseguido decifrar o enigma.

Finalmente, meu filho resolveu nos presentear com o resultado do seu trabalho investigativo. Logo de início, disse-nos que a primeira coisa que procurou identificar foi qual a fruta que caía da árvore do quintal do vizinho. Para isso, esticou-se todo e, após verificar que se tratava de goiaba, colheu uma delas, ainda meio verdosa. Em seguida, pegou um canivete, que havia levado consigo, e tirou uma lasca da casca da referida fruta. O passo seguinte, segundo ele, foi o de comparar a lasca com os fragmentos verde escuros, que havia recolhido do vômito, com o auxílio de uma pinça, em um saquinho plástico. O resultado da comparação foi positivo e assim pode dar continuidade ao trabalho de investigação. Daí, para ele descobrir o final da história, foi um passo, pois notara que, enquanto estava a examinar a cena do crime, o vizinho de cujo quintal se erguia a goiabeira, não arredava o pé do seu lado. Quando numa certa hora, o tal vizinho disse que precisava ir para casa a fim de dar continuidade a um trabalho interrompido, chegou à conclusão que aquela era a oportunidade esperada. Então montou o plano e executou-o imediatamente.

Para complementar a sua investigação, meu filho contou que se posicionou em um local de onde não podia ser visto e de onde podia ter uma visão perfeita de todo o quintal do vizinho suspeito. Para surpresa do meu Sherlock, o tal vizinho começou a colher todas as goiabas da goiabeira, inclusive as que ainda estavam verdes. Era a gota d’água que faltava, sem contar com o fato de que ele colhia as goiabas olhando para todos os lados, como se estivesse com medo de ser flagrado em tal atitude.

Com os dados na mão, meu filho saiu do seu posto de observação e foi direto para a casa do vizinho. Tocou a campainha e foi atendido pelo próprio, para a sua surpresa e para a dele. De pronto, perguntou se ele teria algumas goiabas que pudesse arranjar para um trabalho da universidade. Ao ouvir a pergunta, o homenzinho ficou lívido e gaguejou: “nessa época nã .nã .. não temos goiaba”. Em cima da bucha, foi submetido a outra pergunta: “quando tem, o senhor usa algum veneno para combater insetos praga ?”. Nessas alturas, o homem, que havia subido em uma escadinha, quase que cai da mesma. Quando conseguiu descer, suava mais do que tampa de chaleira e tremia mais do que vara verde. Segundo o relator, ao invés de responder a sua pergunta, o suspeito resolveu confessar, sem antes fazê-lo prometer que nada contaria aos nossos amigos. Ele aceitou, mas impôs uma condição: o autor do crime deveria comprar um novo cãozinho e presenteá-lo a família atingida pelo seu gesto insano. Por sua vez, este acenou positivamente perante a proposta e disse cabisbaixo que estava arrependido. Antes de sair, meu filho ainda perguntou sobre o que o cãozinho havia feito e que o irritara ao ponto de cometer aquele ato. Então ouviu, extasiado, como resposta: “ele latia, algumas vezes, enquanto eu ouvia minha ária favorita”.

Terminada a narrativa, e encerrado o mistério, percebemos que nosso café esfriara, mas nossa alma estava aquecida, pois tínhamos podido desfrutar de uma situação contendo tanta riqueza de ensinamentos. Levantamo-nos, um a um, e seguimos nosso caminho diário, com a certeza de que nós refletiríamos, comentaríamos e até aplicaríamos o caminho usado para a descoberta.