Marcas indeléveis de uma existência
A música para ele era a saída do caos mental em que se encontrava. Toni, diminutivo de Antônio, nome herdado do avô e que trazia muitas lembranças do passado, era moreno, de cabelos castanhos, de estatura mediana, olhos de um azul profundo e enigmático e as mãos eram mais compridas do que normalmente seria as de alguém da idade dele: 13 anos.
Nasceu em circunstâncias nada saudáveis, e sua sorte foi que conseguiu sobreviver porque estava em um dos melhores hospitais-maternidade do Estado. Momentos difíceis aqueles, e que marcaram de forma indelével a alma do menino frágil.
Toni estava em constante pressão: fonoaudiólogos, fisioterapeutas e neurologistas, já que havia sido diagnosticada uma pequena lesão em seu cérebro e que devia ser controlada, ano após ano. E todos, sem exceção estavam esperando avidamente o crescimento do menino para ver se havia ficado com alguma seqüela. E seus pais, muitas vezes em desespero não sabiam mais como lidar com um fantasma oculto, que ainda não falava ou andava.
Mas o tempo revelou que as seqüelas que Toni carregava não eram físicas, mas emocionais. Fruto de uma constante rotina de ter que provar que não ficara com seqüela alguma e ouvir os pais relatando a saga dele aos estranhos, ele ficava cada vez mais confuso em seus pensamentos.
Depressivo sempre, arrastando atrás de si o peso das marcas do nascimento, porque era muito pequeno para trazê-las aos ombros. Das pequenas crises de mau humor ao pensamento negro de ter a certeza que todos queriam o seu mal, foi num instante minúsculo que decidiu que ninguém gostava dele.
No colégio deve ter aprendido a gostar de alguns cantores e algumas bandas, pois passou a pedir CDs que a família nem sabia que existia.
Na hora da música era o Toni autêntico, desligado das pressões, das provas e provações impostas pelo mundo, o azul dos seus olhos tornava-se tão profundo que enegrecia, como o firmamento para onde ia sem ninguém, sozinho, livre das amarras existenciais e da máscara que usava diariamente.
Suas longas mãos, Toni não sabia, mas foram dadas a ele para que tocassem algum instrumento musical e pudessem viajar nas esferas siderais das notas cristalinas e perfeitas que nos fazem chorar.
Mas Toni já desistiu do que nem começou.
Prefere vagar livre na imensidão dele mesmo, no eco da pouca vida que tem e do amadurecimento precoce. Voa sem medo pelas estrelas e mergulha no mar, feliz da vida e não querendo voltar jamais.