Cicatrizes pequenas e rasas
Tudo começou de forma pequena e rasa.
Não me lembro bem quando tudo se iniciou, mas o alívio que senti foi inesquecível. Era como uma recompensa, um troféu.
Alguns para esquecerem-se dos problemas bebem, saem com os amigos, mas comigo é diferente. Me cortando exorcizo meus fantasmas, me purifico.
Desde que me lembro, fui hostilizada pela minha mãe. Fazendo terapia, descobri o motivo pelo qual descargas me apavoravam. Minha mãe tentou se livrar de mim certa vez me jogando no vaso sanitário.
Cresci assim, sozinha. Solitária acima de tudo. Passei a enxergar a vida como uma sucessão de mediocridades previsíveis. Não confio em ninguém, não consigo demonstrar afeto verdadeiro por nada. Quase nada, meus cães são meu porto seguro e não me repreendem quando me corto.
Hoje tenho cicatrizes de várias formas. Grandes, pequenas, largas, fundas, rasas. Com o passar do tempo descobri que certas partes do corpo sangram mais, então acabo me concentrando mais na palma da mão.
Quando estou angustiada –quase sempre estou- me corto. Coloco minhas músicas prediletas e sigo me ferindo, meu olhar se perde em meio ao sangue que escorre e leva junto com ele meus monstros.
Ultimamente não sinto dor. Parece que meu corpo já sabe das agressões e nem se defende mais. Fiquei assustada, penso em parar com estas agressões, mas a vontade, o impulso é mais forte do que eu.
Pai, escrevo esta carta porque sei que mesmo longe, você é o único que pode me ajudar. Não tenho mais ninguém para me abrir, só confio em você.
Na verdade, só queria ouvir que fui desejada, que sou amada, querida.
Não quero ser uma intrusa dentro de mim, pontas de estilete, pedaços de arames são insuficientes para destruir o monstro da rejeição que mora comigo.
Preciso de amor, quero amor.