PRETTY BABY
Vinte e três. Vinte e três em ponto. Hora marcada, hora cobrada. Aquela hora específica martelou-me a cabeça o fim do expediente e o início da noite. A ligação de Ângela, pedindo para não atrasar-me dessa vez, incomodava-me como cueca nova apertada na bunda. Deixe estar que eu nunca fui bom em horário, mas também detestava ser cobrado, e minha namorada já estava passando dos limites...
Quando toquei a campainha de sua casa naquela sexta-feira, ainda eram 22h30 e quem atendeu foi sua irmãzinha de apenas quinze anos:
- Ela pediu para avisar que já vem. Entra aí!
Não recusei o convite. Ainda mais porque a garota era linda. Um mulherão num corpo adolescente. Eu não sabia que minha namorada tinha uma irmã tão gostosa... “Entra aí!” disse ela descontraída, sorrindo ingênua, como se tudo no mundo fosse fluidez e marasmo.
Entrei. Ela trancou a porta atrás de mim e indicou-me o sofá para estar à vontade. Assentei-me relaxado e pus-me a observar o ambiente. Era a primeira vez que entrava na casa de Ângela. Era uma casa confortável, estilo neoclássico, com móveis bem articulados e decoração bem feita. Um lindo bar adornava o canto esquerdo da sala e um conjunto de poltronas clássicas completava o ambiente, onde, sorrateiramente, divisei a menina largada sobre uma delas.
Recriminei-me ao extremo. Como ficar observando o ambiente quando havia ali uma presença física muito mais interessante? Ainda bem que o meu estudo do ambiente, levara-me a encontrá-la, lânguida e sensual, naquele canto de sala. Toda a beleza arquitetônica da sala ganhava nova dimensão com a presença da adolescente ali. Até parecia que o conjunto da decoração fora feito para realçar a beleza da mocinha.
Júlia, como descobri ser seu nome posteriormente, era uma pretty baby. Uma linda bebezinha que encantava qualquer um com seu jeito desajeitado e ingênuo, como se a vida não existisse, e ela tivesse apenas que se deixar levar pelas ondas que a envolviam.
Observei-a, em princípio em canto d’olhos, pois temia ser descoberto paquerando a irmã de minha namorada. Mas, depois, não resisti, e comecei a vasculhar despudoradamente aquele belo exemplar feminino que estava à disposição de minha visão, naquela abençoada noite de sexta-feira.
Júlia era uma garota ruiva, rosto meio achatado, parecendo uma guria das estepes russas, cabelos longos e esvoaçantes que se baloiçavam rebeldes em seu rosto, cobrindo e revelando constantemente uma testa larga e sensual, olhos oblongos e esverdeados, cílios finos e sobrancelhas aparadas, nariz curvilíneo que desembocava em uma boca carnuda, sensual, preenchida de um batom vermelho vivo, que lhe emprestava um ar de bonequinhas matrioschkas. O queixo era pequeno, porém arredondado e escondia um comprido pescoço que compunha a ligação com aquele corpão esbelto de mulher talhada para as passarelas.
O que mais chamava a atenção em Júlia, naquele momento, era o estilo que ela fazia ou era. Não a conhecia direito. Na verdade, acabara de conhecê-la, e não podia emitir maiores juízos de valor a seu respeito. Como dizia, o que mais chamava a atenção era sua vestimenta, seu jeito, o conjunto da presença que compunha sua ocupação do espaço naquela sala no momento em que me encontrava ali, solitariamente, a contemplá-la de soslaio. Ela trazia no amplo e ruivo cabelo um laçarote rosa que lhe tomava boa parte da cabeça como se fora um chapéu estiloso. Além do mais, estava usando um vestidinho flutuante, de tecido leve, adornado por várias pregas e rendinhas, formando desenhos suaves, com bordados à mão para completar o designe e babados diversos. Nas pernas, uma meia 7/8 que lhe dava um ar de menininha ingênua e nas mãos uma boneca de pano de rostinho de louça pintada, vestidinha no mesmo estilo da “mamãe”.
Júlia era uma verdadeira pretty baby. Linda. Ingênua. Fluida. Delicada. Em resumo: Desconcertante. Já não conseguia mais resistir aquele jeitinho matreiro que ela encarnava e que se deixava jogar solta e descontraída sobre a poltrona. Além do mais, Júlia era absolutamente uma menina romântica. O olhar de mormaço que capturei dela - numa das muitas encaradas que lhe dei naquela meia hora de espera da minha namorada -, era simplesmente irresistível. A suposta aparência de fragilidade que ela construía para si, com este estilo, me deixava totalmente indefeso.
Na verdade, depois de toda a observação efetuada e após análise do que estava acontecendo comigo, conclui que quem estava fragilizado era eu. Que quem estava indefeso era eu. Que quem precisava tomar cuidado com relação àquela bonequinha que acabara de conhecer era eu, pois meu coração e minha libido já haviam sido fisgados por aquela donzela e sentia que algo em mim se tornara irreversível.
A seqüência de revoluteios que observei Júlia fazendo sobre a poltrona da sala - nos últimos instantes antes da chegada de minha namorada -, mostrou-me que havia ali uma fera naquele corpo de bela. Ela deixava seu corpo escorregar poltrona abaixo, até o chão; deslizava langorosa pelo tapete; trocava a música do DVD com o controle remoto; brincava com o controle, deixando-o deslizar por seu corpo, desde o ombro - ela tinha uma postura espadaúda e elegante -, passando pelos seios, barriga e coxas até cair ao chão; tudo isso de uma forma sensual tão envolvente que eu já não mais conseguia desgrudar meus olhos daquela visão angelical.
Era tarde demais para uma volta, quando descobri que tudo aquilo era fachada. Por trás de aparência tão frágil e sensual, escondia-se uma mulher experiente, uma garota cheia de armadilhas que estava pronta para dar o bote e acorrentar o seu homem. Toda aquela postura de menina encobria uma mulher forte que dominava por completo o homem fisgado.
Acordei daquele momento - como se fora uma miragem no deserto de meus sentimentos -, com a minha namorada descendo em carreira desabalada as escadas de jacarandá da sala que levavam ao piso superior da mansão.
- Vamos!
Levantei-me assustado e dando-lhe um beijo receptivo, dirigi-me até a porta, não sem antes voltar o olhar até onde estava Júlia e acenar-lhe com as mãos em despedida. De onde estava - deitada com os bustos sobre a poltrona -, ela simplesmente jogou-me um beijo delicioso, com aqueles lábios vermelhos e sensuais, fingindo continuar ouvindo sua música e transpirando ainda mais a sensualidade das ninfas do amor.
Porta principal do vestíbulo aberta, o vento frio bateu em minha face ao mesmo tempo em que as palavras de minha namorada socavam meus ouvidos e estrepitavam em meu coração:
- Em ponto, significa na hora. Nem depois nem antes!
Eram vinte e três horas. Em ponto. Liguei o carro decidido a curtir minha última noite com ela. Chega de sustos e de cobranças. Depois da festa, levaria Ângela a um Motel. Deveria amá-la. Seria a última vez. Ela só saberia no dia seguinte. Não rasgaria o cartão com o seu telefone que me dera não havia trinta dias. Precisava dele. Mas, agora, um outro nome seria escrito por cima daquele. Nome lindo. De uma pretty baby. Júlia.