O Colecionador de ausências

E novamente ele estava frio. Vazio como um rio que sofre com a seca. Mais uma vez ele estava esgotado de todo o caminho interminável percorrido em vão.

A tempestade chocava-se furiosa contra o vidro da janela, perturbando terrivelmente o sono do rapaz.

Será que um dia este ciclo vicioso teria um fim? Ele esperava que sim. Mais do que isso, ele queria acreditar com todas as suas forças que tudo aquilo, um dia, seria justificado. Ele precisava crer desesperadamente que algo muito especial lhe aguardava.

Afinal, qual seria o sentido de um longo período chuvoso, se não a enorme colheita de belas flores, na primavera? Se vivêssemos apenas sofrendo com a chuva, sem nunca admirarmos as flores, valeria a pena nossa tenra estadia aqui? Ele acreditava que não, e em resposta enfurecida, recusava-se a viver em vão. Recusava-se a meramente existir sem qualquer pretensão, pois melhor seria o nada absoluto, do que uma existência efêmera e inútil, nessa eterna caminhada sem um destino para alcançar.

Era preciso uma vida para abraçar e ser por ela abraçado; um cântico doce para acalmar uma noite de pesadelos tortuosos.

Lá fora, a noite estava revolta como diversas outras vezes já havia estado, e sem conseguir dormir, imerso em tais pensamentos, ele sentou-se no chão de seu quarto e observou sua incrível coleção. Podia sentir uma espécie de prazer perverso dominar a sua mente, e não pôde conter um sorriso irônico.

Sua coleção era única. Unicamente cruel, mas unicamente sua. De alguma maneira bizarra, tudo aquilo que lhe faltava era exatamente tudo aquilo que ele possuía. Verdadeiramente, ele era o dono daquele nada.

Observou sua prateleira vazia e celebrou sozinho sua coleção de ausências. Podia ver claramente a ausência de cada expectativa. Cada objetivo não alcançado sorria para ele com grande intimidade. Cada vão não preenchido era terrivelmente inebriante, como a idéia de um anjo que não se pode ver e nem tocar.

“Anjos devem ser monstruosos” – Pensava ele – “Quase tão poderosos quanto Deuses, porém sorrateiros como uma brisa de verão”.

Ao mesmo tempo em que tremia de medo ao pensar em seres assim, sentia-se fascinado pela maneira como poderiam ser destrutivas – abusivas, até – tais criaturas. Ria sozinho diante da apavorante possibilidade de algo que nos é estranho e inatingível ter tanta influência sobre a nossa vida. Assim eram as suas ausências. Sorrateiras. Desastrosamente sorrateiras.

“Não somos nada além da marionete idiotizante que dança sobre o palco, manipulada por um mestre que sequer conhecemos o rosto e de quem nunca iremos nos livrar.”

Sentiu-se unicamente orgulhoso e unicamente esperançoso, enquanto deleitava-se em sua taça vazia. Decidiu enfrentar a chuva lá fora. Tremia. Sofria diante da água gelada, porém, aguardava ansiosamente pela chegada da primavera, que com certeza viria.