Unhas vermelhas

Sinal vermelho, impaciência. O sol queimava meu braço.

Alice estava ao meu lado mexendo em sua bolsa, quando um menino se aproximou do vidro e entregou um panfleto. Aquele era um panfleto comum. Falava sobre um novo condomínio e como estávamos noivos, procurávamos um imóvel.

Alice com suas mãos delicadas pegou o panfleto com um grande sorriso. Na verdade aquele pedaço de papel iria mudar nossa vida.

Eu morava num kit alugado apertado no centro da cidade. Apesar de ser criado junto com montanhas, pássaros e riachos me acostumei com as montanhas de cimento, me acostumei a olhar as estrelas espremidas entre os prédios, me acostumei com Alice.

Afundado em trabalhos que pareciam nunca ter fim, meu celular toca. Olho e vejo que a ligação é de Alice. Discretamente vou até a janela atender e enquanto ouvia sua voz, minha visão se perdia no mar de prédios.

Ela havia marcado uma visita com o corretor. Uma torre do prédio estava pronta, mas ela não poderia ir comigo. Naquele dia trabalharia até mais tarde. O pedido feito com uma doce voz não podia ser negado. Disse que iria. Num pedaço de papel amassado que encontrei no bolso anotei o endereço, e na sexta-feira ás 19:00 eu estaria lá.

A sexta chegou. E eu também. Não tive dificuldade para encontrar o local, e me pareceu mais bonito do que esperava. O corretor aguardava em frente ao portão com um sorriso largo. Eu me animei.

Me apresentei e entramos. Neste instante ele se desvia para atender o celular. Avisou que mais uma pessoa faria a visita comigo e que já estava perto do prédio.Ela chegou. Com pressa e expressão fechada. Dava passos largos e rápidos. Assim que a vi meu coração apertou. Senti um calafrio, fiquei amortecido. Ela era o oposto da minha doce Alice.

Cabelos negros, expressões fortes, postura dura. Mas não era áspera, parecia que guardava um segredo. Fiz o máximo para que ela não notasse minha alteração. Alice ficaria magoada, ela sempre foi tão boa comigo. Não merecia que eu possuísse Lia.

Lia era seu nome. Chegou até nós com um perfume suave e marcante. Com seus olhos grandes e pretos se apresentou. Quando segurei sua mão, por instantes senti que nosso contato não terminaria. Mesmo que Alice ficasse triste. Tudo ali era mais forte do que eu.

Subimos os três, aquela tensão no elevador. Olhei seus pés. Lindos. Havia uma tatuagem pequena e suas unhas estavam pintadas de vermelho. Alice odiava tatuagem. Alice nunca pintou a unha de vermelho, era coisa de puta. E eu adorava unhas vermelhas.

Lia falava pouco. Era objetiva e questionava valores, perfil dos moradores, valor do condomínio e nível de ruídos. Eu me calei. Me contentava em admirá-la discretamente. A devorava com os olhos. E ela sabia disso.

Antônio, o corretor respondia tudo com clareza, mas com muita pressa. Seu celular tocou novamente e dessa vez era a esposa dele. Pediu licença, porque sabia que a conversa seria longa e afirmou que poderíamos ficar a vontade olhando o imóvel. Em alguns minutos ele subiria.Não falamos nada.

Antônio desceu, e finalmente pude ficar a sós com Lia. Fomos para a varanda, e notei que lágrimas rolavam em seu rosto. Seu noivado havia terminado, e ela procurava um canto para morar. Sentia sua agitação, seu desespero.Bastou um olhar. Foi como uma faísca. Nos abraçamos e neste momento em diante não era mais possível parar. Eu não queria e ela também não.Nos beijamos muito e intensamente, como se fosse a última vez. Senti um tesão enorme, pra falar a verdade estava excitado deste o primeiro momento que a vi.

Foi a trepada mais intensa que tive na minha vida. Lia era a mulher que eu sempre quis ter, mas assim como me acostumei com os prédios, com o kit apertado, havia me acostumado com Alice.

Queria aquela mulher pra sempre, só pra mim. Queria compartilhar aquela varanda com ela. Queria sentir suas mãos me tocando enquanto houvesse lua.

Mas não foi o que aconteceu. Como uma viagem de ventania ela desapareceu. Sei apenas seu nome, seu cheiro, seu gosto.Terminei com Alice, mudei de apartamento. Não quero me acostumar com mais nada, quero Lia para mim, quero que ela me leve em suas asas.

Sabia que aquele panfleto iria mudar minha vida.

Luisa Meyrelles
Enviado por Luisa Meyrelles em 24/03/2009
Reeditado em 24/03/2009
Código do texto: T1503360
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