Encontro

Era uma mulher como qualquer outra, contudo não sorria para vida. Preocupava-se com sua aparência, não de forma excessiva. Mas, é inegável que isso lhe dava um ar de feminilidade inigualável.

Todos os dias ao sair de casa os visinhos julgavam-na um tanto misteriosa, afinal, embora morasse naquele bairro por longos anos ninguém sabia qual era sua ocupação ou qualquer outra coisa de sua vida. Tal situação gerava um burburinho diário na vizinhança. Alguns diziam que uma mulher tão elegante e solteira devia ser amante, mas isso era especulação, pois ninguém presenciara nada. Só o que se observava é que ela acordava cedo e chegava tarde.

No seu íntimo, ela sempre quis ter alguém com quem compartilhar o cotidiano, mas a vida não lhe dera chances. E a vizinhança não inspirava confiança e, alem disso, falar de si não é algo muito fácil. Todos nós sabemos que é comum falar de banalidades como do dia, da chuva, do frio ou do calor, mas quando se trata de abrir o coração, não é para qualquer um. Pense, você teria coragem de contar as coisas mais íntimas de sua vida para qualquer um.

A verdade é que Ester- havia me esquecido de mencionar seu nome, mas não é que eu não o quisesse, tinha medo de que ela não gostasse- era uma mulher misteriosa, para si e para os outros. Sua juventude parecia-lhe estranha, não tivera amigos, um namorado apenas, não que lhe faltasse beleza, pois numa época em que a maioria das garotas é feia ela era uma moça razoável. O jovem com quem namorara aparentava fidelidade, entretanto ela resolveu deixá-lo. E solitários seguiram-se os dias e os anos para ela.

Agora, aos 30, surge-lhe um sentimento de que é possível viver sem alegria. Ao abandonar uma legião de emoções ela intuíra que é plausível a existência sem qualquer ser humano ao lado, pois os seres humanos causam dor.

Ester ocupava-se em olhar. Não para fora, ou para os outros, mas para dentro. Ela vivia para dentro. Até que um dia andando pela rua teve impressão de estar sendo seguida. Caminhou de pressa, olhando para todos os lados e não conseguiu ver ninguém, atravessou a rua e nenhuma pessoa daquela multidão foi atrás, por fim percebeu que corria cada vez mais rápido sem ter alguém que a seguisse. Sentia que era empurrada para algum lugar, então parou, observou um emblemático espaço.

Ester sentia-se incapaz de mover-se para qualquer lado, não conseguia fugir, correr, porém isso não causava dor ou sofrimento, mas quietude. Perguntava-se assombrada o que a havia movido até lá. Tal sensação perdurou por cinqüenta e um minutos, que ela nem percebeu abrir mão, pois uma alegria a inundava; era como se estivesse protegida. Algo naquele lugar preenchia o vazio exato do seu coração.

Ela saiu dali em direção a sua casa e à medida que se aproximava de sua rua os vizinhos percebiam-na diferente. Agora ela vivia para fora, cumprimentava-os. Até que alguns deles curiosos perguntaram-lhe o que acontecera, onde estivera, pois estava outra. Ela, sem evitar proximidade, respondeu a todos: Hoje encontrei a Deus.

nádia flores
Enviado por nádia flores em 19/03/2009
Reeditado em 23/08/2009
Código do texto: T1494274