Só mais uma Página

Era um quarto de Hotel, apenas isso. Ele olhava para o teto, e revirava todas as lembranças da noite anterior. Enchia os pulmões com a "maravilhosa" fumaça do cigarro, que ela tanto odiava que ele tragasse. Bom, mas ela não mais estava lá.

 

Paciência. Paciência. Ela apenas não queria estar sozinha. Era julho, estava muito frio, tanto quanto o sangue que corria em suas veias. Ela não queria fingir que amava um, e não queria fingir, também, que não amava o outro. Tudo em nome de seu passado. Era um grande dilema.

As ruas de São Paulo estavam vazias, um fenômeno muito raro, mesmo às seis da manhã do dia 19 de julho, às seis da manhã, com uma temperatura que estava, com certeza, abaixo de seus 10°C.

 

Ele continuava deitado na porra da cama, apenas com a calsa jeans de sempre. Ainda fumando. Sim, o quarto estava cheio de fumaça, e o bolinho de cigarros no cinzeiro ao lado da cama crescia, mais e mais, como se ele ainda não estivesse satisfeito com a muralha da China que havia construído.

Para ele, a razão estava sempre ao seu lado, e ele não se importava com que os outros dissessem ou discordassem. Ele sempre estava certo, afinal. Até que, naquela sexta feira, ele havia achado os olhos castanhos que carregavam toda a razão que ele nunca teve.

Foram só alguns momentos que a possuiu, depois, ele sabia bem que nunca mais a veria. Ela era livre, ela era diferente de todas as outras vagabundas, simplismente, porque ela não era uma delas. Na verdade, ele tinha certeza absoluta que já havia visto alguém assim antes, só que não consfiava muito em seus sentidos depois que ela cruzou a sua vida, há algumas horas atrás.

Ele olhava para o teto, e não queria admitir que precisava dela.

 

A garota tinha apenas vinte e dois anos, e não tinha lar, andava de esquina em esquina, procurando histórias para contar. Seu rosto era de quem tem uma grande mente, mas limitada pela sociedade brasileira, que apenas sobe apreciar as coisas fáceis de entender.

Ela se encolhia no sobretudo beje, e andava devagar, para ter tempo de esquentar os pés nas botas da mesma cor do casaco.

Ela olhava o céu da alvorada, e lembrava dos seus últimos momentos. Bom, eles apenas seriam mais uma página de seu livro.

 

Ele senta na cama rápido, com os olhos arregalados, como se tivesse visto um fantasma. Ele lembrou onde havia visto aqueles olhos castanhos. Ele lembrou onde havia beijado aqueles lábios. Ele lembrou de tudo.

Largou todas as suas coisas, saiu correndo atrás dela, como nunca havia feito antes. Ele realmente acreditava que sem sapatos, sem camisa e num frio MUITO gelado ele poderia alcançá-la.

Doeria, mas, valeria.

 

Ela esboçava um pequeno sorriso sarcástico ao lembrar de um passado mais distante. Ela soube quem ele era desde o primeiro momento que o viu. Só queria se vingar e não dizer nada.

Tudo o que ela precisava era um pouco mais de paciência.

Parecia que o frio piorava, a cada vez que se lembrava, mais seu coração gelava.

O sorriso de repente aumentou, e tornou-se o sorriso sarcástico mais sincero que ela já havia efetuado.

Ela ouvira seu nome berrado por alguém correndo. Virou-se e esperou.

Era ele.

 

- Por que não me disse?

- Achei que tivesse a capacidade de descobrir por si mesmo. Aliás, você não mudou, não é? Continua usando garotas sem ao menos perguntar o nome delas.

- Bom, parece que não fui só eu que não mudou.

- É, eu continuo sendo a mesma mal-educada com pessoas insignificantes.

- Bom, no passado, pelo menos, você disse que me amava, e que ficaria a eternidade comigo. Parece que eu estou pronto pra isso.

 

Ela socou, na altura de seu estômago, uma carta muito amassada e velha, que estava dentrou do caderno que ela levava debaixo do braço.

 

- Eu guardei com carinho a sua resposta, pode ficar, eu não preciso mais dela. Você virou só mais uma página do meu livro... Tomara que eu não seja mais uma do seu. Aliás, eu não sei se você tem a capacidade mental de escrever um. Adeus e encontre seu amor, querido - ela virou as costas e saiu andando, do mesmo jeito, com o mesmo sorriso, mas agora, mais satisfeita.

- Mas, você nunca foi mais uma página do meu livro. Eu juro. Se você quiser, pode ser meu livro inteiro.

Ela respondeu com o dedo do meio. Uma cena maravilhosa.

O que restou para ele foi reler a carta que ele mesmo havia confeccionado.

 

"Bom, depois de tudo o que me disse, eu não tenho muito a dizer.

Você diz estar completamente apaixonada por mim. Será mesmo que é verdade? Não sei.

Não sei também se escolheria você, há outras meninas. Não sei também se gosto o suficiente de você para algo mais sério. Não sei se combinamos... Na verdade, desculpa, mas você é muito estranha. O que diriam de mim se eu namorasse com você?! Ia ser horrível, não concorda?

Me desculpa, Beatriz, mas hoje, você só vai ser mais uma página do meu livro"

Débora Dias
Enviado por Débora Dias em 15/03/2009
Código do texto: T1487584
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