Espere
A tarde de outono deixava o céu laranja. O grito das crianças parecia até uma música feliz quando escutada de longe. Emanava felicidade. Porém a menina sentada no canto do parque, atrás dos balanços e do escorregador abandonado só conseguia ouvir uma coisa: as batidas do próprio coração.
As lágrimas corriam por seu rosto cor de chocolate. Seu lábios se retorciam num biquinho que era difícil ser percebido se visto de longe. Abraçava as pernas com os braços, apoiava o queixo nos joelhos. O vento bateu nos seus cabelos compridos e armados, com a frente presa por um laço vermelho, como a princesa de seu conto predileto: Branca de Neve. Por um breve momento pôde se lembrar de sua mãe lendo o conto para ela. Sua mãe, também branca como a neve.
Quando viu os colegas se aproximando apertou-se mais no abraço com as pernas, escondeu o rosto nas pernas. Deixou mais uma lágrima de dor profunda escapar.
Não ouvia o que eles diziam, mas já acelerava tanto seu coração, ainda audível aos seus ouvidos, que lhe causava mais dor e desespero. Queria sumir, queria correr. Foi o que tentou fazer.
Saiu correndo rápido. Tropeçou, bateu a boca no chão. Surpreendeu-se quando não doeu, e só sentia o quente de seu sangue correr por sua face. Agora que estava no chão, seu colegas riam dela, apontavam, tiravam sarro. Soube do porque que não doía. Deixou mais lágrimas escaparem.
Nenhuma das professoras foi socorrê-la. Pensou por um momento em Deus. Refletiu. Pensou consigo mesma se ele existia e por que tinha se esquecido dela. Ouvia ainda as batidas de seu coração. Pensou de novo, queria ser como as outras crianças. Gostaria de ser bonita.
Não ouvia mais as risadas, apenas as batidas de seu coração. Teve medo, mas não correu.As crianças correram para longe depois que a diversão acabou. As batidas do coração mais fortes. Viu cabelos cor ébano se aproximando. Pele cor branca como a neve . Um laço vermelho no cabelo, vermelho sangue como seus lábios. A menina pensou ser ela, a Branca de Neve.
"Quer ajuda?!"
Com a boca ainda ensangüentada, sorriu para branca de neve.
"Quero..."
Enquanto Branca de Neve a ajudava, perguntou:
"Qual é o seu nome?"
"Mônica, e o seu, Branca de Neve?"
"Branca de neve?! Não sou ela mas... Meu nome é Carolina"
"Você é bonita"
"Não mais que você... Sua pele é a mais bonita que já vi. Veja, é cor de chocolate amargo... Meu preferido. Aí seu cabelo... É muito legal. Ainda tem essa fita... Igual a minha. Mas acho que a sua rasgou..."
Mônica passou a mão por seu cabelo. Tirou a fita dele, foi até o lixo e jogou lá.
"Não preciso dela" uma lágrima correu por seu rosto
"Fique com ela... Não me importo. Seu cabelo enrolado é muito mais bonito que o meu liso."
"Obrigada mas..."
"Shhh, vamos brincar por toda a tarde, sem falar nada uma pra outra. Em silêncio"
Assim fizeram. Por toda a tarde, brincaram. Mônica, sorria. Mesmo os machucados por todo seu corpo doendo, ela brincava e sorria. As crianças do outro lado do pátio olhavam incrédulas, como ela se divertia, como sorria. Achavam que ela não tinha o direito de se divertir como todos eles.
Mais tarde, quando a mãe de Mônica chegou, as duas novas amigas só estavam de mão dadas sentadas na portaria, esperando. A mãe de Mônica se aproximou, olhou atentamente para o lado da filha, incrédula. Juntava as sobrancelhas, espremia os finos lábios. Depois da expressão de incredulidade, dúvida em seus olhos azuis.
"O que está fazendo filha?"
"Estou com a minha amiga, mãe, ela aceitou te esperar junto comigo. É a Carolina"
Depois da expressão de dúvida, tristeza. Seus olhos azuis desviaram de repente. Abriu um sorriso sem dentes para a filha. Viu seus mais novos machucados, seu coração apertou, colocou a mão sobre ele. Ouviu suas batidas. Tristeza. Conhecia bem como era. Decidiu fazer diferente.
"Vamos, filha... Amanhã voltará para cá e brincará mais. Venha descansar" E pegou a filha no colo.
Mônica acenou para trás, para sua amiga. Todos a olhavam com curiosidade, tentando adivinhar por que a menina dava as mãos ao vento.