Um breve encontro
Sentiu como se o mundo desabasse em sua cabeça. Parou na porta de entrada (ou de saída?) do prédio. Afrouxou a gravata num movimento brusco. Olhou para a rua movimentada e encarou a nova jornada.
Reparou que a carta ainda estava na mão direita. Olhou mais uma vez o envelope pardo, talvez na esperança de não estar vivendo aquela manhã realmente.
Lembrou do breve diálogo com o gerente da firma, seu Pereira:
-Bom dia Marcos
-Bom dia Pereira
-Esta carta chegou pra você.
-Da parte de quem?
-Da diretoria
Pegou o envelope. Abriu. A leitura foi provocando mudanças na expressão de Marcos.
Por um momento, seu olhar desviou do texto até Pereira que desviou o seu olhar.
-Demitido - A palavra saiu entre os dentes.
-Infelizmente - Disse Pereira - É a crise. Somos obrigados a reduzir o quadro.
-Demitido - Repetiu de forma mecânica.
Pensou em Cristina, nas crianças, nos planos, projetos...
-Demitido.
-O senhor tem uma moeda? - A pergunta trouxe Marcos de volta a realidade.
Seu olhar encontrou um menino, magro, sujo, vestido com um short amarelo e uma das mãos estendidas.
-O que?
-Uma moeda.
Marcos ensaiou um gesto de negativa quando ouviu mais uma vez a voz:
- O senhor tá chorando?
A pergunta veio como um soco.
-Não, não estou chorando - Disse limpando os olhos com a mão da carta.
- Tá sim - afirmou com um sorriso
- Não estou - Respondeu Marcos com certa rispidez.
O menino reagiu baixando a cabeça.
Marcos sentiu um aperto no peito.
-Desculpe - disse constrangido - como é seu nome?
- Deco - respondeu o garoto.
-Você quer uma moeda - Disse Marcos metendo a mão no bolso.
- O senhor tá triste.
A frase mais uma vez tocou o coração de Marcos.
-Por que, "estou triste"? - Respondeu com admiração.
- Seus olhos, estão parecendo com o da minha mãe quando não consegue trazer dinheiro pra casa. Ela olha assim pra mim e pra minha irmã. Outro dia ouvi ela dizendo pra vizinha que o ponto não está bom e que os homens procuram as mulheres mais novas. De vez em quando, ela fala quu vende o corpo, mas sempre volta com ele.
Marcos ouviu calado o "desabafo" do menino. Sentiu as lágrimas. Comprimiu os lábios e respondeu:
- Estou desempregado.
O menino olhou surpreso e perguntou:
- Desempregado? o que é isso?
Marcos sorriu, estendeu a mão com uma cédula de 10 reais e respondeu:
- Nada. Deixa pra lá!