A vida começa agora
Karina sempre achou que chegara aos 30 anos rápido demais. Há pouco tempo tinha 15 anos. Dali para os 18 foi num piscar de olhos. Depois os 21, 25 e pimba! 30 anos e nada, nada acontecera.
Nas vésperas do seu trigésimo aniversário, não se falava em outra coisa na casa da sua mãe. Lugar de onde ainda não tivera condições – nem coragem - para abandonar. A mãe estava eufórica. Afinal, sua caçula estava chegando aos 30 anos e, segundo ela, linda e bem sucedida. Karina mal acreditava que sua mãe dizia aquilo às amigas e parentes. Principalmente porque se achava fora de forma e longe ainda de poder dizer que o sucesso profissional estava ali, na próxima esquina. Talvez por isto, dois dias antes do seu aniversário, Karina, deprimida, se enfiou na primeira loja do shopping que viu e fez tantas compras que só terminaria de pagar quando chegasse aos 35. Pobre cartão de crédito.
E as amigas, então. Elas estavam, em sua maioria, casadas. A rotina maravilhosa de acordar cedo, preparar café para o marido e os filhos, deixar as crianças na escola e ir para o trabalho. Karina adoraria seguir aquela rotina, se tivesse uma família para tanto. Havia também algumas amigas descasadas, mas estas Karina não invejava coisa alguma. Pobrezinhas... não deram certo no amor e agora estavam por aí, soltas na vida, caçando desesperadamente homens em cada bar, pelas noites da cidade. E falando mal deles, naturalmente.
Porém, Karina também não encontrara seu grande amor, isto com 30 anos de idade e vários namorados. Quando via um casal de namorados e suas invariáveis cenas de amor, perguntava-se como podia existir seres tão apaixonados. Karina também ansiava por um grande amor, mas ele nunca aparecera em sua vida. Seus romances, casos, rolos, prometiam tanto e não rendiam nada. A paixão que pensava sentir, durava pouco tempo e logo o homem da sua vida transformava-se em nada mais que um simples amigo. Amigo! E aqueles amores de novela, amores eternos, jantares à luz de velas? Aconteciam na vida real ou só na vida dos outros? Por isto, na manhã dos seus 30 anos, parada em frente ao espelho e perguntando-se como seria quando completasse 40, Karina fez uma promessa: em um ano teria que encontrar o amor da sua vida. Mas um amor que valesse a pena, com um belo carro na garagem, apartamento próprio e um emprego estável e de status. Ah, e que fosse bonito, gostasse de viajar e fosse um furacão na cama. Só isto. Um amor que fizesse suas amigas casadas e as separadas morrerem de inveja, que orgulhasse sua mãe e calasse a boca das suas tias e primas chatas que lhe cobravam um casamento desde que fizera 21 anos. Ah, tantas cobranças... se pudesse mandar todos para o espaço, Karina já o teria feito. E ela própria, naquela linda manhã de sol, quando o mundo comemorava o seu trigésimo aniversário, tinha vontade de pegar uma carona no Discovery e se exilar em alguma estação espacial e lá ficar. Chegar aos 30 encalhada e com alguns quilos acima do peso normal, ninguém merece, concluiu ela. Quem sabe no espaço aparecesse algum E.T. que não se importasse nem com idade e nem com gordurinhas extras? Que solução incrível, pensou ela, sarcástica.
E se pudesse voltar no tempo, em que época ficaria? Voltaria para sua infância, onde tudo era proibido? Ou voltaria para os quinze, quando estava mais perdida do que nunca? Quem sabe os vinte e um anos, quando jurou que era independente, mas vivia presa na barra da saia da mãe e sob o escudo protetor do pai? É, realmente era melhor ficar com 30 anos mesmo, com ou sem E.T. para lhe salvar. Pelo menos podia sair com quem quisesse, transar com quem bem lhe aprouvesse e não dar satisfações para ninguém. Não era tão ruim, não é? Era só saber aproveitar o que a idade trazia de bom. E se nada significativo acontecera até então, agora era o momento. A vida começa todos os dias, afinal.