LAMPIÃO E MARIA BONITA
LAMPIÃO E MARIA BONITA.
Jamais vi nomes se ajustarem tão bem a dois personagens que vou lhes apresentar. Quando fui morar no sítio, eu cismava com aquele casal, Lampião e Maria Bonita. Com o tempo, a ficha caiu, e entendi os nomes e o porquê.
Chovia fortemente, Lampião abraçado a sua amada, cobria-lhe parte do corpo como podia, ajudando-a a enfrentar os pingos grossos que vinham do céu, protegendo-a de alguma forma. Ali debaixo da laranjeira, eles continuaram ainda por alguns minutos, enquanto eu os observava da varanda. Era um amor completo, companheiro, amigo, e especial. Depois daquela cena, deixei de me perguntar à razão dos nomes.
Cada dia eu via os movimentos dos dois, em seu cotidiano. Quando escurecia eles já estavam juntinhos, retrucando baixinho, os detalhes do dia que se fora. Ela era mais arredia, às vezes sumia da paisagem por uns dias, voltava magra, febril. Ele sempre por perto, quando ela desaparecia, continuava fiel, o que eu considerava atípico por sua natureza galinácea.
E o amor deles floresceu muitas vezes o inimigo rondou-lhes a sorte, tirando a vida de outras meninas, mas Maria Bonita sobreviveu até mesmo a infeliz faca que tirou a vida de seu amado. Ela continuou a vagar pelo sítio, meio triste, deprimida, mas não se rendia, algumas vezes sumia e depois voltava sempre cantarolando, parecendo animada.
E sua produção era sempre fantástica, mesmo sem seu companheiro.
Certa tarde cheguei mais cedo do trabalho e Aline me avisou que a penúltima menina tinha morrido. Fui verificar, e vi o cadáver estendido ali no chão, era uma pretinha, gordinha. Tinha morrido naquela tarde e os abutres já ameaçavam invadir-lhe o corpo. Aline me olhou, revirando os bagos dos olhos e correu para apanhar uma enxada. Cavou uma cova rasa, um pouco afastada de nossa casa e lá depositamos o cadáver da pobre menina.
Aline estava arrasada. Eu sabia que ela não era culpada de nada. Da desgraça daquela tarde, só me lembro de uma coisa, Maria Bonita começou a cantarolar, abriu e fechou os braços e depois de certo tempo, se acomodou ao chão e depositou um ovo amarelinho, bonitinho. Eu, Aline e meu filho demos muitas risadas. Aquela galinha caipira, branca, mirrada, franzina, sobrevivera a tudo. Creio que ainda vive correndo pelo sítio, mesmo sozinha, talvez, quem sabe, esperando reencontrar seu herói o forte galo de briga, que meu irmão ganhou de presente de um amigo.