Angola - Jardim dos Anjos - In Vino Veritas

Durante o ano de 1998 Angola viveu um período político anedótico.

Os militantes dissidentes da UNITA criaram a UNITA Renovada. A ideia era criarem uma força política dentro do partido e, com isso, retirar o fulgor totalitário de Jonas Savimbi e substituir o presidente do partido por alguém que negociasse a Paz em termos imediatos. O objectivo era isolar Savimbi na Jamba e corromper a bancada da UNITA na Assembleia Nacional em Luanda.

Foram semanas de um romantismo emocionante, de intrigas palacianas, reuniões secretas para as quais toda a gente era convidada.

O MPLA ía oferecendo cargos executivos no Governo de Reconciliação Nacional como quem oferece chocolates. Os “renovados” iam aceitando com a mesma alegria das crianças na noite de Natal.

Porém, verdadeiramente, alguns dos históricos da UNITA não estavam interessados nos chocolates envenenados e iam recusando os cargos e as vantagens oferecidas, enquanto a maior parte deles já lambia os dedos.

As reuniões eram intermináveis, não tanto pelo debate, que isso já fartava, mas pelas jantaradas bem regadas com vinho português e Chivas Regal.

Chegavam aos molhos nos seus compridíssimos Citroen Xantia, acompanhados pelos seguranças da UPIP (Unidades de Protecção de Individualidades Protocolares), que carregavam as pastas diplomáticas sempre a abarrotar, como quem diz que tinham muito trabalho.

Dava-se lugar a uma espécie de Happy Hour onde os convivas se serviam do whisky e falavam uns com os outros em amena cavaqueira.

Mas falar sobre assuntos tão sérios dava fome e o jantar seria servido em alguns minutos, não sem antes de se ouvirem as palavras formais do cicerone:

-Agradeço, desde já, a presença de todos na minha humilde casa. Este encontro é a prova que somos todos irmãos. A prova que tantos anos de guerra produziram grandes patriotas que hoje, independentemente do partido político, se reúnem em alegre convívio para tratar de assuntos de grande importância nacional.

Queiram por favor chegar aqui ao quintal que a minha senhora preparou qualquer coisita para nós.

-Ó Demogenes, sabes que o funge* da tua esposa é o melhor de todos. Tem quisaca*?

-Lembraste da churrascada em Agosto? Grande farra!

E lá seguiam todos em cavaqueira gastronómica para o quintal.

As conversas seguiam alegres durante o jantar e os convivas menos importantes iam saindo com audíveis gargalhadas e desejos de boa continuação. No fim, ficavam os deputados ainda indecisos e os responsáveis por dar os chocolates.

Porém, num dia de Setembro, e numa casa mais importante, pertença de alguém mais avisado, o jantar foi mais formal e mais breve para os convidados menos importantes.

Tinha que se ter a resposta concreta e decisiva de um dos deputados da UNITA.

Ele, homem de convicções firmes, longe de ter jeitos militares, bebia compulsivamente todo o whisky que ofereciam. O estado ébrio notava-se até no enrolar das palavras e nos pequenos acidentes que ia provocando em cima da mesa.

-Caro Deputado, sabe que o temos em elevada estima, não sabe?

-Sei, sei – e disparou uma gargalhada patética – sei muuito bem!

-Bem, seguindo – disse o homem mais importante do quintal – Nós gostaríamos de ter da sua pessoa uma resposta concreta se vai ou não aderir à UNITA Renovada?

-Opá, não me lixes, estamos aqui a beber um copo e tu com essas coisas.

-O motivo do convite foi precisamente para saber do Sr. Deputado se podemos contar consigo.

-Contam comigo é uma merda!

-Como?

-Vai-te lixar, pá. Ainda no outro dia andavas aí a dizer mal de todos e agora estás com falinhas mansas!

-Bem, sabe que se não contarmos consigo, vamos ter que tomar medidas…

-Quais medidas, qual o quê! Vais é mandar dar-me um tiro nos cornos – neste momento começou a esbracejar energicamente enquanto marcava um número no celular.

-Ó querida, estes gajos estão-me a ameaçar! Considera-te viúva e diz aos órfãos que quem matou o pai foi o tio Sousa!

Do outro lado da linha saía o ruído telefónico de quem está em prantos.

De repente, o deputado, desliga fortemente o aparelho e levanta-se aos gritos.

-Vá lá, cobardolas, mata-me já aqui, cabrão de merda.

Afastou-se da mesa cambaleando, sempre aos gritos e com o copo de whisky esquecido na mão.

-Olha querem ver estes cabrões! Vão é renovar os cornos da tua mãe!

E lá saiu aos berros, chamando pelo guarda – Abre lá a porta do carro que quero sair já desta casa de merda! Pensam que são o quê?

Este e outros deputados da UNITA não aderiram à UNITA Renovada e nenhum deles foi morto. Alguns foram presos durante algum tempo, sempre por motivos alheios à crise politica, outros afastados da Assembleia Nacional ou dos seus cargos executivos por motivos de organigrama ou de saúde.

Angola hoje vive em Paz e luta por um futuro melhor.

As jantaradas e almoçaradas continuam a ser realizadas por todo o país, mas a politica não tem sido convidada.

*Pratos típicos de Angola